Presenciamos recentemente residentes de Barcelona revoltados com turistas por se hospedarem em apartamentos de aluguel por temporada, popularmente conhecidos por Airbnb. Esse efeito vem ocorrendo em muitos destinos maduros que sofrem com o chamado “overtourism”, ou seja, turismo em excesso. O turismo é seguramente um dos setores que passou por uma das maiores transformações nas últimas décadas, influenciado pela internet e novas plataformas de tecnologia, que impactaram diretamente a forma de viajar, proporcionando muito mais conhecimento, autonomia e poder de decisão. Plataformas como Booking.com, TripAdvisor, Trivago, Skyscanner, Airbnb, GetYourGuide, entre tantas outras, criaram processos disruptivos no setor de turismo, exigindo que segmentos inteiros se reinventassem, como foi o caso das agências de viagens, que precisaram buscar especializações para oferecer seus serviços.
Mas voltando ao assunto, o Airbnb é realmente o vilão dessa história? O Airbnb está para a hospedagem, assim como o Uber está para o transporte, ou seja, democratizou o serviço de hospedagem, criando uma nova forma de se hospedar, sem tantos serviços agregados, mais econômica, autêntica e plural, alcançando novas localidades, gerando renda e ampliando a oferta de leitos numa velocidade que a indústria hoteleira não consegue acompanhar. No entanto, a livre expansão do Airbnb gerou consequências preocupantes, como concorrência desequilibrada com os hotéis, por não recolher os mesmos impostos; inserção de pessoas desconhecidas nas comunidades; desrespeito às regras de vizinhança; ofertas enganosas; e, principalmente, escassez de imóveis e aumento dos valores para locação residencial em determinadas áreas.
Portanto, como gerenciar os impactos negativos do turismo? O turismo é uma atividade econômica pulsante, altamente demandante de serviços e geradora de oportunidades, desde ambulantes de praia, aluguéis de bicicleta, experiências gastronômicas, eventos... distribuindo renda em uma longa cadeia produtiva de empresas, mas muitas vezes criando desordem. Assim, o ordenamento territorial requer uma gestão transversal por parte dos gestores de destinos. No caso do Airbnb, o crescimento da oferta criou uma desordem habitacional, exigindo que muitas cidades iniciassem sua regulamentação, com cadastramento e licenciamento das propriedades, fiscalização do atendimento a requisitos de saúde e segurança, limitação do número de unidades e dias de locação por áreas e, naturalmente, aplicação de tributação na atividade.
Portanto, exorcizar o aluguel por temporada como o grande vilão do mercado habitacional é um grande equívoco. Como toda iniciativa disruptiva, após seu impacto inicial, é necessário que seus efeitos sejam entendidos e administrados pelos gestores de destinos, e ações sejam tomadas para sua regulamentação. O turismo é um setor gigantesco, tendo movimentado, em 2023, segundo a Organização Mundial do Turismo, cerca de 1,4 bilhão de turistas pelo mundo. O efeito “Airbnb” é apenas uma variável dentro dessa complexa dinâmica turística.
Se pararmos para analisar alguns destinos na Bahia, nota-se claramente uma demanda urgente por esse ordenamento, sob risco de perder atratividade para os turistas mais qualificados. Estive há alguns anos em um badalado destino de praia e, apesar da beleza natural, os impactos eram diversos e visíveis. Logo na chegada, havia dificuldade de acesso, com um atracadouro pequeno e desestruturado, e uma longa fila de pessoas sob o sol para embarcar e desembarcar. No caminho para a praia, um lixão a céu aberto evidenciava a falta de gestão de resíduos. Nas piscinas naturais existentes, uma verdadeira guerra entre ambulantes, barracas, música, turistas e sombreiros comprometia uma boa experiência. Na parte náutica, mesmo após alugar uma lancha, as escunas “trio elétrico” que circulavam eliminavam qualquer expectativa de privacidade, além do excesso de carros em vias que não comportavam o tráfego.
Portanto, é necessário entender que, além de promover o destino, é imprescindível geri-lo de forma responsável, incluindo economicamente a comunidade, preservando os atrativos, monitorando as práticas, oferecendo infraestrutura e estimulando a hospitalidade ao visitante. Atualmente, existem diversas certificações mundiais que reconhecem destinos responsáveis, sendo essa uma clara tendência. No Brasil, por exemplo, temos o selo Green Destinations, que já certificou uma série de destinos, como Pipa e Fernando de Noronha.
A gestão de destinos turísticos é uma atividade estratégica para a competitividade dos destinos, exigindo uma visão sistêmica dos gestores e intensa articulação com os órgãos públicos responsáveis pelo ordenamento, orquestrando interesses e influenciando a implantação de intervenções que contribuam para organizar e enriquecer a experiência turística, além de mitigar seus impactos. Medidas como gestão de dados, planejamento, monitoramento e avaliação contínua dos impactos da oferta e demanda são peças-chave para a manutenção da atratividade e sustentabilidade dos destinos. Infelizmente, enquanto os destinos não organizarem sua gestão, nós, turistas, seremos todos predadores, consumindo avidamente seus atrativos e estimulando a oferta de serviços desordenados.