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A discussão sobre a qualidade da formação médica no Brasil ganhou um novo capítulo após a aprovação, na Comissão de Assuntos Sociais do Senado, do projeto de lei que cria o Exame Nacional de Proficiência em Medicina. A proposta reacende um debate antigo no setor da saúde: como garantir que os novos profissionais estejam realmente preparados para atuar em um sistema complexo, desigual e marcado por profundas demandas sociais.
Embora tenha avançado no Senado, o projeto ainda não é lei e continuará tramitando no Congresso. Ele precisa ser votado na Câmara dos Deputados e pode, inclusive, retornar ao plenário do Senado se houver recurso de ao menos nove parlamentares. Somente depois dessas etapas é que o texto poderá seguir para sanção ou veto presidencial.
O exame foi concebido como uma ferramenta de avaliação nacional, capaz de padronizar o nível mínimo de conhecimento necessário para a atuação médica. Caberá ao Conselho Federal de Medicina administrar a prova, que só será exigida de recém-formados. Médicos já registrados e estudantes atualmente matriculados não serão afetados pela nova regra. Caso o projeto seja aprovado integralmente, o exame começará a valer um ano após a sanção, permitindo tempo para adaptação das instituições de ensino e dos órgãos reguladores.
O avanço da proposta está diretamente ligado à expansão acelerada de cursos de medicina nas últimas duas décadas. O Brasil é hoje um dos países com maior número de vagas na área, o que não seria um problema se a infraestrutura hospitalar e acadêmica acompanhasse esse crescimento. Não é o que mostram os dados. De acordo com o painel Radiografia das Escolas Médicas no Brasil 2024, elaborado pelo Conselho Federal de Medicina, cerca de oitenta por cento dos 250 municípios que sediam cursos médicos apresentam insuficiência de leitos, carência de campos de prática e limitações relevantes para a formação prática dos alunos. Esses números preocupam especialistas e entidades médicas, que defendem mecanismos de garantia de qualidade capazes de reduzir assimetrias entre instituições de excelência e centros de ensino que ainda lutam para se estruturar.
O relator do projeto no Senado, senador Dr. Hiran, argumenta que a proliferação de cursos sem condições mínimas compromete a formação e, consequentemente, a segurança da população. Para ele, a exigência de um exame nacional funciona como um filtro técnico, semelhante ao que ocorre em outras áreas profissionais. O objetivo, segundo o senador, não é restringir o acesso à profissão, mas assegurar que todos os recém-formados tenham passado por um processo de avaliação sólido e baseado em critérios uniformes.
Apesar disso, há divergências dentro do setor educacional. Instituições privadas e representantes do ensino superior afirmam que a prova não resolve o problema estrutural e pode transferir para os estudantes a responsabilidade por falhas que, muitas vezes, estão no planejamento do poder público ou na ausência de investimentos. Para esses grupos, o debate sobre qualidade deveria vir acompanhado de políticas de financiamento, expansão de hospitais universitários e melhor regulação dos cursos existentes.
Enquanto as discussões avançam em Brasília, especialistas em políticas públicas lembram que o Brasil vive um momento crucial para a reorganização de sua força de trabalho na área da saúde. O país enfrenta uma demanda crescente por médicos em regiões periféricas e cidades distantes dos grandes centros, ao mesmo tempo em que se expande a rede privada. A criação de um exame nacional poderia ajudar a mapear deficiências formativas e orientar políticas públicas de longo prazo, desde a distribuição de vagas até incentivos para formação e residência médica.
O debate em torno do exame de proficiência não deve ser entendido apenas como uma questão técnica, mas como uma disputa sobre os rumos da política educacional e da saúde no país. Quem defende a prova acredita que ela cria um marco mínimo de segurança e responsabilidade para a sociedade. Quem critica, entende que a medida pode gerar desigualdades e punir estudantes formados em instituições menos estruturadas, sem atacar os problemas na sua origem.
Enquanto o Congresso decide o futuro do projeto, uma questão permanece central: como garantir que o país forme médicos preparados para atuar em um sistema de saúde cada vez mais complexo, diverso e desafiador. O Exame Nacional de Proficiência em Medicina surge como uma possível resposta, mas ainda está longe de ser consenso.