Imagens geradas por IA
De longe, parecem bebês. Dormem nas vitrines, envoltos em mantas que exalam um cheiro adocicado de talco e fantasia. Mas, de perto, a verdade se impõe: silicone, vinil e um vazio que pesa mais do que os dois quilos que simulam um recém-nascido.
Nos últimos tempos, só se fala em uma coisa nas redes sociais e nas TVs: bebês reborn.
Esses bonecos, criados inicialmente por mulheres em luto, hoje disputam atenção nas vitrines dos shoppings e nos vídeos virais do TikTok. Chegamos ao ponto em que até simulações de partos são exibidas nas redes, completando o espetáculo da fantasia que imita, de forma quase caricatural, a vida real.
Se fossem apenas brinquedos para crianças, tudo bem. Mas não é isso que se vê nas redes. O que mais espanta é ver mulheres adultas, muitas em plena fase reprodutiva da vida, mergulhadas nesse universo artificial, transformando a maternidade em um espetáculo ensaiado. O que deveria ser sublime virou conteúdo embalado, precificado e convertido em entretenimento digital — onde o choro é silenciado e as frustrações, apagadas com um simples clique.
Enquanto bonecos recebem afagos, milhões de crianças reais aguardam invisíveis por um lar. Será apenas uma moda ou já vivemos uma nova pandemia, sem perceber?
Na verdade, a pergunta é: como chegamos até aqui?
Como foi que a terapia virou espetáculo? Por que o consolo virou capricho? Quando a maternidade virou enredo para redes sociais, com cenários perfeitos e fraldas trocadas apenas diante das câmeras?
É verdade que, para alguns, esses bonecos vão além da aparência. No mundo pós-pandêmico, marcado por solidão e ansiedade, os reborns oferecem alívio emocional. Para idosos em asilos, pacientes com Alzheimer e mulheres que enfrentaram perdas, eles trazem conforto onde a vida impôs ausências. O problema é quando o consolo se transforma em refúgio permanente e a vida real se torna insuportável.
Para quem ainda acha que tudo isso se resume a bonecas, vai um aviso: ledo engano!
Vivemos tempos em que se prefere o controle absoluto de uma “vida” de vinil a enfrentar as dores e delícias dos relacionamentos reais. Aprendemos a criar vínculos com réplicas, mas desaprendemos a lidar com pessoas de carne, osso e imperfeições.
A pandemia que nos trancou em casa abriu as portas para um novo confinamento: o emocional. Um isolamento sem vírus, mas repleto de medo — medo da frustração, da decepção, da vida como ela é.
Porque, afinal, os bebês reborn não crescem, não fazem birra, não exigem renúncias. São o sonho perfeito de quem já não suporta a imperfeição da vida real — e prefere um rascunho que possa ser editado ou jogado na lixeira.
Filhos de verdade fazem bagunça, choram de madrugada, dão trabalho e, o mais importante, crescem e se transformam. Nos desafiam, nos frustram, nos colocam à prova — e exigem o que mais temos evitado: presença, entrega e paciência. E isso, nenhum boneco de silicone vai nos ensinar.
Como costumo dizer aos meus filhos: “Filho a gente educa! Porque criar… a gente cria bicho!” Educar dá trabalho. Dizer ‘não’ é cansativo, dar limites é desgastante — mas é isso que forma caráter. O que mais se vê hoje são pais que querem filhos de vitrine: exibir boletins, medalhas e conquistas como troféus de perfeição, a qualquer preço. E os reborns, convenhamos, chegam como uma luva para quem só quer ‘criar’… porque educar, de fato, dá trabalho.
Assim, seguimos criando laços profundos com réplicas, enquanto desfazemos laços frágeis com pessoas reais.
Os bebês reborn, na sua silenciosa imobilidade, talvez sejam o espelho mais brutal do que nos tornamos: uma sociedade cansada de gente.
E, nesse cenário de vínculos líquidos e corações de borracha, fica a pergunta que não quer calar: quem vai nos ensinar a ser humanos de novo?

