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“Revanchismo Ambiental” e o risco para a segurança jurídica ambiental

“Revanchismo Ambiental” e o risco para a segurança jurídica ambiental
Leandro Mosello - Sócio-Diretor da MoselloLima Advocacia e professor e especialista em Direito Ambiental

Leandro Mosello - Sócio-Diretor da MoselloLima Advocacia e professor e especialista em Direito Ambiental

28/01/2021 10:00pm

O ano de 2020 ficou marcado na história pela pandemia da COVID-19, porém o levante da questão ambiental, impulsionado pelas discussões sobre o desmatamento e as queimadas na Amazônia e no Pantanal, somado às controvérsias políticas, internas e externas, se constituiu como um dos selos do ano passado.

Neste passo, surgiram importantes temas que podem incitar uma governança ambiental estruturada em políticas públicas e exigências de mercado que auxiliem na conservação ambiental e estimulem o Brasil para as boas práticas de produção sustentável. Assim, vimos o crescimento das práticas de ESG - Environmental, Social and Governance (Meio Ambiente, Social e Governança), dos fundos de investimento verdes, a instituição de políticas públicas e privadas de pagamento por serviços ambientais e créditos de carbono, que tendem a tornar a conservação ambiental um importante gerador de valores sustentáveis, pautados na tríade do ambientalmente correto, socialmente justo e economicamente viável.

Se por um lado existem reflexos positivos, por outro, temos um “revanchismo ambiental”, com desarrazoadas interpretações jurisprudenciais, julgamentos antecipados da lide, aplicação da principiologia própria do Direito Ambiental em desarmonia com a ordem constitucional, além de uma verdadeira enxurrada de decisões liminares e sentenças de 1º grau com comandos que extrapolam a realidade da questão, denotando uma projeção indevida e muito perigosa do cenário político e ideológico no campo judicial.

Essa revanche, por vezes, em atenção à opinião pública, é estruturada principalmente na aplicação imprópria dos princípios mais fundamentais de Direito Ambiental, notadamente o da prevenção, da precaução e da vedação ao retrocesso ambiental, sendo sucessivamente alargados com nítido divórcio do caso concreto, dos demais princípios constitucionais, bem como dos objetivos fundamentais da República.

"Compete, com fundamental protagonismo, ao Judiciário impedir que esse levante ambiental se configure em um revanchismo perverso" 

(Leandro Monsello)

Um bom exemplo é o recente julgado do STF nas ADPFs 747, 748 e 749, em que é incontroverso que a revogação das Resoluções CONAMA nº 284/2001, 302 e 303/2002 não denota qualquer objetivo retrocesso ambiental, já se tratando, inclusive, de questões pacificadas por diversos tribunais e jurisprudência do próprio STF, expressa nas ADIs e ADC que reconheceram a constitucionalidade das questões tratadas pelas citadas resoluções no Código Florestal de 2012.

Vê-se tal cenário também na aplicação seletiva de institutos dos mais basilares do Direito, como a presunção de legitimidade do ato administrativo, em que até a apresentação de prova robusta em sentido contrário, os atos da Administração Pública são legítimos, corretos e vigentes. Ocorre que, no atual contexto, esse pressuposto tem sido aplicado de forma seletiva, consagrando-se tal postulado quando o ato em questão for punitivo ou constritivo – embargo, multas, interdições – e o renega à posição de relativo ou coadjuvante quando se trata de autorizações e licenças, fazendo com que naufrague a segurança jurídica.

O que aqui se provoca é uma necessária reflexão acerca do grande perigo que esse revanchismo ambiental, ainda que na melhor das intenções, termina por gerar, na medida em que passamos ao ponto onde a segurança jurídica se fragiliza e autorizações ou licenças ambientais deixam de ser presumidas como corretas, com uma grave rotulagem de que aquele que percorreu todo o trâmite administrativo será responsabilizado ou minimamente prejudicado pela paralisação de seu empreendimento, de forma cada vez mais recorrente pela projeção do contexto político-ideológico ao caso e não por qualquer transgressão às normas ambientais.

Compete, com fundamental protagonismo, ao Judiciário impedir que esse levante ambiental se configure em um revanchismo perverso, no qual quem paga a conta seja quem em nada contribui para ela. Urge a retomada da boa técnica e a fidelidade ao que, de fato, se enuncia por provas robustas, paridade de armas e a incessante busca pela verdade real, mesmo quando o clamor político-ideológico estampe o que lhe parece mais correto, que nem sempre é o mais justo ou real.