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A morte e o Axé

A morte e o Axé
Daisy Rose Silva - Iyalorixaá Esmeralda Idangue, Bacharel em Comunicação e Letras e também Pesquisadora de Etnicidade, Afrodescendência e Gênero

Daisy Rose Silva - Iyalorixaá Esmeralda Idangue, Bacharel em Comunicação e Letras e também Pesquisadora de Etnicidade, Afrodescendência e Gênero

01/11/2021 10:00am

Olorum Kosi Pure assim nos despedimos dos corpos de nossos irmãos de Axé. Para as religiões de matriz africana nossa alma é imortal e nossos antepassados seguem orientando e protegendo a sua família. Para nós a morte não é o fim mudamos de plano, mas continuamos a nossa jornada. No candomblé, o corpo do adepto falecido passa por rituais para o desprendimento da alma e o corpo vazio é devolvido a natureza, assim Ikú (a morte) recebe o Egum (espírito) no Balé (terra dos mortos).

A morte é algo que independente da religião vem impregnado de tristeza, a ausência física traz consigo o peso da dolorosa saudade. Contudo a certeza da imortalidade do espírito abranda essa dor. Assim o provo do axé não dedica um dia aos mortos, pois a morte leva apenas a carne que a natureza absorve e transforma. O povo do axé celebra seus antepassados, toca o chão e o peito em reverencia aqueles que vieram antes de nós.

Em África, tradicionalmente, logo após o luto realiza-se uma comemoração, nesse momento prepara-se todas as comidas que o falecido gostava, arruma-se uma oferenda com roupas e objetos do falecido que são colocados nas águas em hora ao falecido. No Brasil esse ritual foi incorporado ao candomblé com o nome de Axexé ou Zerim, porém no candomblé esse ritual é realizado apenas para iniciados e com algumas variações dependendo da nação e da graduação do falecido. Contudo tanto o ritual africano como o brasileiro são comemorações pela partida para outro plano.

Dentro do escopo das religiões de matriz africana existe um culto específico aos antepassados, o Culto Egunguns (Candomblé de Eguns), esse mantém integralmente os ritos originários da África, a casa mais conhecida fica em Itaparica comandado pela família De Paula a anos, o Ilê Agboulá, cercados de mistério esse culto tem por finalidade preservar os laços coletivos com a ancestralidade africana. Apesar da beleza do culto, ele é motivo de medo e respeito, poucos religiosos de matiz africana se encorajam a participar, reservando-se a participar apenas em momentos cruciais como a partida de uma Iyalorixá ou Babalorixá.

Com a religiosidade africana aprendemos que a morte não é o fim, mas a porta para um novo plano, e assim exaurida a dor da saudade comemoramos a partida dos nossos entes com honrarias dignas de reis. Pois, hoje pisamos no solo sacralizados pelo sangue de reis e rainhas aviltados pela escravidão, e ainda que passem séculos a dor continua. Externando o respeito e a hora de sermos descendentes destes guerreiros cultuamos aos Babas, as Aparakas e os Egunguns. Cultuamos aquele que mantiveram nossa cultura e tradições superando toda a perversidade da escravidão, do racismo e do preconceito.