O importante é sempre ter coragem para continuar
Inicialmente, vou esclarecer uma curiosidade recorrente sobre a origem do meu nome. Meu avô materno nasceu no final do século XIX, no dia 25 de outubro, e, como...
Antonio Peres Junior - Advogado, Empresário, Cônsul-geral Honorário da Romênia em Salvador-BA
O célebre Yuval Harari, em sua não menos célebre obra “Sapiens”, narra a busca de Cristóvão Colombo por um investidor para a sua – até então – aventura em busca de terras ao Ocidente da Europa:
“Como um bom empreendedor de uma startup nos dias de hoje, Colombo não desistiu [já havia acumulado algumas negativas]. Ele apresentou sua ideia a outros investidores em potencial na Itália, na França, na Inglaterra e novamente em Portugal. Em todas as ocasiões foi rejeitado. Então tentou a sorte com Fernando e Isabel [A Católica], governantes da Espanha recém-unificada.”
O final da História, todos sabem. Em 1492, Cristóvão Colombo atracou na América. O que poucos se dão conta é da importância para cada um de si deste fato histórico. Afinal, há os que admiram a milenar cultura europeia, os que fazem negócios com a Europa, os que contam os dias para visitá-la durante as férias, e os que descenderam dos europeus e habitam as Américas, migrando para cá pessoalmente, ou por meio de seus antepassados. Não fosse Colombo e a fidúcia de S.M. Isabel, a Católica, este “acercamiento” América-Europa, não iniciar-se-ia.
Pois bem, o meu avô, galego, Antonio Sanchez Peres, singrando o caminho aberto por “Colón”, como é nominado na Espanha, migrou para o Brasil há quase um século, fugindo das condições adversas da Guerra Civil Espanhola e aportou, ainda jovem, com a família, em Belém do Pará, ao contrário do que pensam, e não Salvador-BA, d’onde se instalara uma das maiores colônias de galegos do mundo.
O Porto de Belém, por ser mais próximo da Europa, resultava em uma passagem de navio mais acessível e, assim, conforme descobri posteriormente, vieram os primeiros emigrantes espanhóis para o Brasil. Dentre eles, minha família paterna, fugindo das adversidades peninsulares.
Muitos anos após, meu avô era um próspero comerciante em Belém e tínhamos uma boa relação. Éramos amigos. Desfrutávamos de empatia recíproca. Além da relação de parentesco, ele era o meu Padrinho, maior incentivador e exemplo de self made man que triunfou frente às adversidades de verdade, vivenciadas como imigrante, que trouxera consigo somente saúde, disposição e vontade de triunfar em uma terra mais sossegada e repleta de oportunidades.
Como meu pai era seu sócio, não raro estávamos os três juntos, malgrado as distâncias que tínhamos que percorrer, às vezes de automóvel. Aliás, um “nada” para meu pai, um dos 16 filhos de um imigrante que cruzou o Atlântico de barco para estabelecer-se empresarialmente no Brasil.
Sempre despertei cedo – hábito familiar - e grande fora minha surpresa quando ao contrário do habitual, meu avô não estava ao raiar do dia debruçado sobre a Bíblia – sempre muito católico - e sim, em júbilo, exibia dois grandes peixes que foram fisgados durante a noite, por meio de dois anzóis que lancei sobre o deck de sua casa, que avançava sobre um belo, grande e piscoso lago. Até hoje, não sei se eu estava mais feliz com a captura daqueles dois enormes espécimes aquáticos, utilizando anzóis e linha de pesca que o tinha pedido no dia anterior, e eram comercializados em seu armazém, ou com a felicidade incontida de meu avô, que me relatava a sua aventura que iniciara com marulhos que não o deixavam ler os Evangelhos e resultou naquela bela descoberta e captura.
“Oh, rapaz, tu serás un hombre trabajador y jamás pasarás hambre” - me dizia em júbilo, me abraçando – “vamos a cenar estos peces!”
E assim transcorrera, sem dúvidas, a mais agradável “cena” – em Espanhol e Português - de minha vida. Meus avós felizes, meu pai por evidente orgulhoso do filho. E aos 12 anos, tive a minha primeira aula de empreendedorismo e meritocracia de minha vida.
Somente transcorridos muitos anos, após conhecer a cidade natal de meu avô e estudar sobre as dificuldades pelas quais passaram seus contemporâneos, é que pude avaliar, com mais exatidão, a importância para ele desses peixes...
Passados 25 anos, eu era um advogado com bons êxitos profissionais no histórico e muito esforço. O vaticínio do meu avô se consumara e cresci apegado ao trabalho. O ponto de inflexão, entretanto, dera-se quando decidi contratar o Professor Guillermo. Um madrileno, com mestrado em Castelhano, esforçado e muito didático. Ocupei praticamente todos os horários disponíveis de sua agenda com o inabalável objetivo de parar de falar “Portunhol” e, finalmente, dominar como nativo, ou pelo menos muito próximo a isto, o idioma Espanhol. Finalmente, o primeiro desafio de verdade, me fizera voltar à emoção dos peixes capturados no lago!
Guillermo era perfeccionista e exigente. Ou seja, do jeito que eu queria. Me advertia constantemente, tanto por qualquer erro de pronúncia, quanto ao fato de que não admitiria que eu, cidadão espanhol, assim como ele, não dominasse perfeitamente o “Castellano” e muito menos a cultura e a Geografia da Espanha! Mais adiante, descobri que a Constituição a Espanha, em seu artigo 3º. prescreve que “El castellano es la lengua española oficial del Estado. Todos los españoles tienen el deber de conocerla y el derecho a usarla.” Guillermo sempre esteve certo.
Decorridos seis meses de aulas intensas, exaustivas e diárias, perguntei a Guillermo se ele me recomendava algum Mestrado na Espanha, pois estava sentindo o DNA falar mais alto e gostaria de me aprofundar melhor sobre o país de meus antepassados. A esposa do Professor tinha uma amiga que trabalhava no conceituado Instituto de Empresas Business School – I.E. Uma das melhores escolas de negócios do mundo.
Mal poderia crer quando me vi sentado à frente de uma das mais importantes personalidades da Espanha: Santiago Iñiguez de Onzoño, hoje Presidente do Instituto de Empresas. Na ocasião nosso admirável e Magnífico Reitor. O almoço transcorrera com a simpatia e leveza que sempre lhe fora peculiar e eu agradecia pelo seu estímulo para que eu me mantivesse nesta ponte entre o Brasil e a Espanha, tendo me concedido a primeira entrevista para a Revista ABRESCCO, cuja edição inaugural celebrávamos, com direito a foto e tudo ao final.
Descobri que algumas pessoas se motivam por ganhos materiais, outras, pelos ganhos espirituais e morais que os bons exemplos são capazes de nos presentear. Tive, então, minha primeira epifania: Me descobri um idealista e aquele almoço foi o início de grandes abastecimentos em forma de combustível que me estimularam a cruzar o Atlântico bem mais de uma centena de vezes, até hoje, numa inicial busca por minhas origens, movido pelo puro instinto do DNA espanhol presenteado pelo meu avô e primeiro grande exemplo. Depois, por idealismo.
Decidimos homenagear as miríades de emigrantes europeus que singraram o Atlântico, em direção às Américas, assim como os intrépidos Colombo, há 530 anos e Antonio Sanchez Peres, pela forma mais poética e valiosa, a perpetuação de seus exemplos. E assim “Hecho en España”, tivemos a felicidade de sermos agraciados por um filho, também Espanhol, brindado com o nome de meu avô.
A Revista ABRESCCO - propositadamente sem qualquer patrocínio até hoje e até hoje abastecida pelo idealismo dos seus sócios (eu e Joaci Goes Filho) - foi um êxito tão retumbante, que me valeu uma comenda muito destacada, conferida por S.M. El Rey Felipe VI de España: “Isabel, La Católica”. Sim, a mesma celebridade real, do início do texto, que apostou em Colombo.
Juntamente com a Revista ABRESCCO, fundamos a ABRESCCO S.L. – Acercamientos Brasil España en Cultura y Comercio, buscando aproximar Brasil e Espanha em termos de oportunidades de cultura e negócios entre os dois países e que agora se expande para outras nações da Europa.
Tanto sim, que há quatro anos, recebi o convite para representar a República da Romênia, como Cônsul Honorário deste país em Salvador - Bahia, munus que exerço com muita honra e denodo, já que a atividade consular honorária é um presente para um idealista da espécie que vai dormir sonhando com os peixes que poderá pescar no dia seguinte...
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