Comunicado no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o Leão de Ouro Especial da 17ª edição da Bienal de Arquitetura de Veneza homenageia Lina Bo Bardi. A arquiteta ítalo-brasileira que se tornou referência no Brasil no século passado.
Achilina di Enrico Bo, nascida em Roma no ano de 1914, era uma mulher de muitas qualidades e ao lado de Pietro Bardi, seu marido, transformou o Brasil em um laboratório da vanguarda ao unir-se a artistas e intelectuais em projetos de grande arrojo estético e social. Sua mudança para São Paulo em 1947, em virtude do convite de Assis Chateaubriand a Bardi, para fundar e dirigir o Museu de Arte Moderna de São Paulo, foi um marco para a cultura brasileira.
Em 1958, a Bahia teve o privilégio de receber Lina para dar conferências na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, a convite de Edgar Santos, o reitor, e foi aí que surgiu o seu encantamento pela “alma da cidade” baiana. Desde então, ela decidiu viver em Salvador e a experiência do Nordeste tornou-se um divisor de águas na sua formação. Rodeada pela diversidade e vitalidade da região, ela colocou em prática uma série de projetos de arquitetura e design. Tudo teve início no Museu de Arte Moderna da Bahia, que a princípio funcionava no foyer do Teatro Castro Alves e posteriormente mudou-se para o conjunto do Unhão, restaurado por ela, na sua primeira estadia em Salvador. Outros sítios e a Ladeira da Misericórdia também mereceram o seu olhar – uma vez que procurava recuperá-los com a sua população original – no seu retorno, décadas mais tarde.
Nos anos 1960, a Bahia era o epicentro da efervescência cultural que desembocou no Tropicalismo e no Cinema Novo. E Lina, que estava entre nós, apontou um futuro que tinha como base a mão do povo. Enquanto ensinava na Faculdade de Arquitetura, ela desenvolveu uma extensa pesquisa sobre arte popular e posteriormente a apresentou em uma importante exposição composta por obras selecionadas de artesãos do interior do Nordeste, revolucionando a sociedade da época. E por essas e outras ela se faz presente até hoje. Dentro dessa mulher, polímata por natureza, que desprezava o movimento feminista por considerá-lo burguês, existiu o prazer pela invenção, a curiosidade pelo outro e a ousadia na transformação de espaços.
Não é a primeira vez que uma mulher é premiada na arquitetura mundial, Zaha Hadid recebeu um Pritzker, em 2004. Depois dela, quatro arquitetas receberam a honraria, mas agora, nessa premiação, existe algo diferente. A homenagem a Lina no Leão de Ouro é o reconhecimento a uma obra brasileira, a projetos de cidade, a ideias de grande inclusão. “Sua carreira como designer, editora, curadora e ativista nos lembra do papel do arquiteto como organizador e, principalmente, construtor de visões coletivas. Em suas mãos, a arquitetura se torna verdadeiramente uma arte social”, afirma Hashim Sarkis, curador dessa edição especial da Bienal. Um verdadeiro luxo termos as mãos de Lina nas nossas vidas!
Onde ver Lina na cidade
Solar do Unhão, Salvador-BA, 1959
Em Salvador, Lina encontrou o “Afro-Brasil”. Recuperou um edifício existente, apresentado a ela por Martim Gonçalves, realizando poucas intervenções. Incluiu a famosa escada em madeira, projetou uma praça e fundou o Museu de Arte Popular e Arte Moderna da Bahia. No projeto original, as janelas ficavam abertas para ter iluminação e ventilação natural, assim como a presença e a relação com o mar da Baía de Todos-os-Santos.
Teatro Gregório de Mattos, Salvador-BA, 1986
O Teatro Gregório de Mattos foi criado no espaço onde funcionava o antigo Cabaré Tabaris, que teve o seu auge entre as décadas de 1950 e 1960 e era frequentado por artistas e intelectuais da época. No ano de 1986, com o projeto de Lina Bo Bardi, uma grande reforma foi realizada e exposições passaram a ocorrer no andar térreo, enquanto no outro andar aconteciam peças de teatro. A ideia era trazer uma arquitetura despojada que oferece ao espectador a possibilidade de participação no espetáculo, já que o formato é de uma arena. O teatro foi reformado em 2015 e desde então recebe espetáculos e possui capacidade para 400 pessoas.
Casa do Benin na Bahia, Salvador-BA, 1987
A Casa do Benin representa uma ponte intercultural entre o continente africano e o Brasil. Localizado no Pelourinho, o espaço é aberto à visitação. Nele, uma bela e incomum expografia apresenta uma exposição realizada com a curadoria de Pierre Verger.
Ladeira da Misericórdia, Salvador-BA, 1987
A Ladeira da Misericórdia talvez seja a obra mais importante realizada por Lina em Salvador nos anos 1980. Infelizmente, o acesso ao conjunto não é permitido. O Restaurante Quati está fechado há anos e os outros três imóveis estão sem uso ou subutilizados faz muito tempo.