O ano de 2021 chegou e deixou para trás o ano mais conturbado e impactante das últimas décadas. 2020 chegou ao fim e para a maioria das pessoas o sentimento é de que é um ano para ser esquecido. Será mesmo? Será que 2020 não deixará nenhum legado positivo? Entendo que foi um ano muito difícil, em que uma tragédia mundial, a pandemia da COVID-19, tirou até hoje a vida de cerca de 1,5 milhão de pessoas em 190 países e espalhou uma onda de pânico mundial. Economias em recessão, milhões de pessoas desempregadas e o aumento da pobreza e da fome no mundo foram assuntos que ditaram a tônica do debate no ano passado. Mas o que de bom esse ano tão atípico nos deixou e que expectativas podemos ter para 2021?
Em 2020, fomos obrigados a nos recolher em nossos lares e a nos afastar de pessoas queridas, mas também nos aproximamos mais das pessoas que mais amamos. O sentido de família, que para uma grande parte da nossa sociedade estava se desfazendo lentamente com o afastamento dos seus membros que se afundavam em um mundo virtual, sofreu um revés traumático e, de repente, fomos obrigados a olhar à nossa volta e viver mais intensamente com os nossos filhos, cônjuges e outras pessoas que formam nossos núcleos familiares. Passamos a valorizar mais a nossa saúde e a dos nossos familiares idosos, pois a possibilidade de repentinamente morrer ou ver a morte de uma pessoa querida nos fez repensar conceitos, valores, hábitos e prioridades. Temas que se associam à saúde, como alimentação saudável, atividade física e relações harmoniosas foram amplamente debatidos e valorizados.
"A maior expectativa criada para este ano está projetada nas vacinas que poderão trazer imunidade para a COVID-19 e, consequentemente, um remédio, mesmo que não a cura, para o pânico mundial que se estabeleceu nesta pandemia."
(Leonardo Salgado)
A maior expectativa criada para este ano está projetada nas vacinas que poderão trazer a imunidade para a COVID-19 e, consequentemente, um remédio, mesmo que não a cura, para o pânico mundial que se estabeleceu nesta pandemia. Já conhecemos o processo de desenvolvimento de vacinas há mais de 200 anos e obtivemos grandes vitórias com a vacinação em massa, como a erradicação mundial da varíola em 1980, além das incontáveis vidas salvas por vacinação em massa contra o sarampo, Influenza, tétano, tuberculose, meningite e diversas outras doenças para as quais temos vacinas disponíveis. No Brasil, o Programa Nacional de Imunização (PNI) é um dos mais completos do mundo e hoje dispõe de 19 vacinas para pessoas de todas as idades. A vacinação em massa, quando adotada como estratégia de saúde pública, é considerada um dos melhores investimentos em saúde, levando-se em consideração a relação custo-benefício.
Mas o que esperar das vacinas propostas para a COVID-19? Nenhuma das vacinas hoje disponíveis no mundo, para qualquer doença, foi desenvolvida em tão pouco tempo, o que, de certa maneira, gerou uma desconfiança inicial sobre a sua efetividade e segurança; mas também nunca tivemos tantas mentes brilhantes e tantos recursos destinados a um objetivo comum como tivemos agora. Com o início da vacinação em massa, dois novos desafios estão postos, um logístico e outro ideológico.
O desafio logístico trata de um problema complexo: como vacinar uma população de cerca de 212 milhões de habitantes em um país de geografia continental como o Brasil? Apesar da nossa expertise em vacinação em massa, já com diversas campanhas nacionais de vacinação exitosas, sempre lidamos com grupos populacionais e nunca com toda a população. Existem campanhas de vacinação para crianças, outras para idosos, outras para adolescentes etc. e utilizando vacinas que foram produzidas ou adquiridas meses antes. O desafio agora estará em como adquirir ou produzir tantas doses, distribuí-las e armazená-las adequadamente e evitar filas quilométricas além de conflitos sociais, quando todos querem ser vacinados imediatamente.
O desafio ideológico tem duas vertentes. Uma mais antiga diz respeito a acreditar ou não na imunização. Como médico geriatra, invisto boa parte do meu tempo de consulta orientando os meus pacientes sobre as vantagens em seguir o calendário vacinal, principalmente para aceitarem a vacina contra a Influenza, mas vejo muita resistência por parte de algumas pessoas. A outra vertente infelizmente tem origem em ideologias políticas que vêm dividindo o mundo. Do mesmo jeito que o tratamento da COVID-19 sofreu uma divisão na classe médica e na população em geral, a utilização de qual vacina utilizar está seguindo o mesmo caminho absurdo. Já temos algumas vacinas liberadas, essas têm características técnicas diferentes, como taxa de efetividade, condições ideais de armazenamento, custo de produção, entre outras. A escolha da melhor vacina para cada país ou região deve levar em consideração esses fatores e não o laboratório que a desenvolveu ou o país de origem da sua produção. Uma vez cumpridos todos os testes e protocolos necessários e tendo a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), qualquer vacina poderá ser escolhida.
A nossa esperança é que neste ano tenhamos a possibilidade de imunização por vacinação em massa, para que possamos voltar a nos abraçar, mantendo a consciência do valor à vida e do cuidado com o próximo que 2020 nos trouxe. Bem-vindo, 2021! E sejamos felizes.