O Futuro das Pesquisas de Marca: Como Dados Sintéticos Estão Mudando Tudo
Foto: Acervo Pessoal Você já imaginou uma pesquisa que continua aprendendo sozinha, criando novos dados quando faltam respostas humanas? Pois é exatamente isso...
Arte: Let's Go Bahia
A nova versão de Vale Tudo foi vendida ao público como um remake. No entanto, comportou-se como uma adaptação livre, sem sustentar dramaticamente as mudanças que propôs. O resultado foi uma novela tecnicamente irregular, com identidade narrativa confusa, que sacrificou a linha mestra do original em nome de uma estratégia de marketing: manter viva a pergunta “quem matou Odete Roitman?”.
Antes de tudo, vale esclarecer a diferença entre remake e adaptação:
Remake é refazer a mesma história preservando eixo dramático, arquétipos, conflito central e consequência moral. A atualização de contexto temporal é bem-vinda: muda-se a estética, o ritmo, a linguagem, mas a alma permanece.
Adaptação permite reinterpretar, mover peças fundamentais, alterar desfechos e mudar sentidos de conflitos, desde que exista justificativa dramática consistente e uma nova tese clara.
O grande erro da versão de 2025 foi querer ocupar os dois lugares ao mesmo tempo. Vendeu-se como remake, despertou no público o desejo de rever um clássico, mas tentou se apresentar como reinvenção com o argumento de que “agora é outra coisa”. No fim, ficou no limbo. Não teve a fidelidade emocional de um remake nem a ousadia coerente de uma adaptação. Essa indefinição atingiu em cheio a espinha dorsal da trama. A força de Vale Tudo sempre residiu na simplicidade poderosa de seu arco central com Raquel, Maria de Fátima e Odete, tendo a pergunta moral “Vale Tudo para vencer?” como bússola. Ao mexer nessa estrutura sem firmeza, a autoria desmagnetizou o eixo dramático e perdeu o motor que movia o clássico.
Na ânsia de recuperar terreno e pegar carona no impacto imediato que a chegada de Odete proporcionou à novela, que vinha desagradando boa parte do público com uma Maria de Fátima fraca e sem densidade, a autora apostou todas as fichas na vilã master assim que ela entrou em cena. Deborah Bloch, uma atriz de mão cheia, soube aproveitar bem o espaço que lhe foi dado, construindo uma Odete multifacetada. Diferentemente da versão original, em que só se via a vilania, aqui o público pôde enxergar suas várias faces: a mulher de 60 anos empoderada, sexy, sexualmente ativa, enfrentando um mercado de trabalho machista e se impondo; a chefe de família ausente, pagando o preço de ter sido julgada não apenas por ter sido uma mãe distante, mas por ter carregado sozinha o fardo de sustentar e conduzir aquela família. Vimos uma Odete em 360 graus. E gostamos. Foi isso que gerou o magnetismo intenso em torno dessa personagem tão bem executada por Deborah Bloch.
Já Taís Araújo, que é uma excelente atriz, não tinha como fazer milagre com um enredo, núcleos e parceiros de cena que, na maioria das vezes, não retroalimentavam a riqueza dramática de suas entregas. A falta de combustão entre Raquel e Maria de Fátima esvaziou o conflito central que sustentava a trama original. O romance com Ivan não ganhou força por uma química frágil e questionável entre os personagens — não por culpa dos atores, que são bons, mas porque os personagens foram enfraquecidos na trama. O excesso de discursos certinhos de Raquel, em um contexto de debate social já saturado de polarizações, também afastou parte do público. Enquanto isso, Cauã Reymond encontrou em Ricardo Teodoro, intérprete de Olavinho, um parceiro de cena que o impulsionou. O personagem César, que como amante de Maria de Fátima era apenas um mau-caráter fraco e dominado pela candidata a vilã apelidada nas redes de “Mary Faty”, ganhou força quando Odete entrou em cena e seu romance com ela teve início. César virou um amante latino, sedutor e dominante, capaz de jogar duro com a toda-poderosa Odete, que acabava sucumbindo a ele. Essa dinâmica agradou profundamente ao público, que se divertia ao ver a mulher forte ser dominada por um homem de energia viril, intensa e até infantil, revelada na relação com Olavinho. A dupla caiu no gosto popular e contrastou com a fragilidade de outros núcleos.
É impossível ignorar o esvaziamento de Raquel. Foi triste ver a talentosa Taís Araújo colocada em um terreno tão instável e infrutífero. A personagem que no original ascende socialmente, fica rica e poderosa e enfrenta Odete de igual para igual, passou quase toda a novela submetida à mão de ferro da vilã e suas armações. A candidata a heroína não saía do lugar. Quando conseguia colocar a cabeça para fora da lama, a autora a colocava de novo na estaca zero. Raquel virou a chata de plantão, com um discurso que ninguém mais queria ouvir, a mãe moralista e previsível, a amante morna de um amante ainda mais morno. As sucessivas provações e os discursos corretos não se converteram na virada de mesa esperada de uma mocinha de novela. Essa virada só ganhou algum fôlego no último capítulo, mas era tarde demais para sustentar uma protagonista à altura desse clássico. E, para piorar, resumiu-se a cena dela comprando uma casa bonita quase no final, ofuscada pela cena constrangedora do suposto bebê de Maria de Fátima, que mais parecia uma garrafa térmica enrolada em manta do que uma criança.
Enquanto Raquel perdia densidade, Odete crescia. Deborah Bloch encarnou uma mulher de 60 anos contemporânea, bem-sucedida, sexy, ativa, independente e frontal. A vilã caiu nas graças do público, especialmente das mulheres. A cena em que admite ao filho Afonso não ter vocação para ser mãe e denuncia a diferença de julgamento entre homens e mulheres foi decisiva, assim como o momento em que vira a mesa contra Marco Aurélio quando ele a expõe com seus amantes, e ela rebate com um discurso contra o machismo. Odete conquistou uma espécie de redenção moral e ampliou a sombra sobre a mocinha ao encarnar aquilo que muitas mulheres querem ou precisam encarnar na vida real: força, independência e respeito. Essa faceta dela agradou e se tornou maior que suas maldades, a ponto de o público torcer por ela em vários momentos. Não pelos crimes, mas pela força, pela potência, pelo enfrentamento e pela clareza objetiva com que enxergava os fatos. Eu mesma, muitas vezes, me vi representada nessa mulher — não em sua vilania, mas na força com que enfrentava tudo.
Manter Odete viva poderia ter sido uma jogada brilhante se viesse acompanhada de coerência dramática e de um novo comentário moral à altura. Mas não veio. A autora se agarrou ao mistério em torno de sua morte, transformando-o em um caça-likes descarado nas redes sociais e, de quebra, em um caça-níqueis com merchans exagerados que invadiram o sprint final. Em vez de uma cena impactante e ambígua, como no original, multiplicaram-se suspeitos. Para tentar dar coerência, a autora criou de forma infantil, óbvia e pobre diversas cenas para justificar as entradas caricatas no apartamento da vilã. Esqueceu que menos é mais. Bastava a arma, a imagem de Odete e o tiro. A pergunta clássica estava criada. Mas ela quis tanto surpreender e enganar o público que acabou refém das próprias escolhas. No fim, nada fez sentido. A pergunta deixou de ser motor narrativo e virou muleta. Personagens como Heleninha, César e Celina foram empurrados para a lista de suspeitos sem qualquer coerência com seus perfis. Foi desnecessário incluí-los nessa lista e ainda mais absurdo permitir que Heleninha, que passou a novela inteira se sentindo culpada pela morte do irmão (que não morreu), passasse agora o resto da vida se sentindo culpada pela morte da mãe (que também não morreu).
Quando a sala de roteiro se deixa dominar pelo desejo de surpreender, a dramaturgia paga a conta. Surgem motivações frouxas para decisões cruciais, reviravoltas acumuladas sem preparação, núcleos que começam e não terminam, cenas que pediam verossimilhança e chegam como pirotecnia. A novela, que dizia querer refletir a ética brasileira, tornou-se ela própria incoerente. A pergunta “Vale Tudo?” foi citada, mas nunca foi verdadeiramente encarnada.
A reta final expôs buracos narrativos difíceis de ignorar. Heleninha, que se dizia amiga de Ana Clara, a vê morta e a abandona. No dia seguinte, homens de Odete forjam a cena da morte. Odete, sempre cuidadosa com contratos pré-nupciais dos filhos, inexplicavelmente deixa metade da sua fortuna para César, um garoto de programa assumido. Além disso, como uma empresária daquele porte anda sem segurança em um momento de tanto risco? Como permitiria uma romaria de personagens ao seu apartamento? Como deixaria uma arma sobre a mesa logo após ser ameaçada pela filha? Como alguém sobrevive a um tiro à queima-roupa e ainda encontra tempo e lucidez para ligar para Freitas, negociar com bombeiros e arquitetar uma fuga sem qualquer explicação plausível? A autora parece ter planejado deixá-la viva e, ao mesmo tempo, incriminar Marco Aurélio, mas esqueceu de costurar as duas decisões de forma minimamente crível.
Se tivesse feito uma cena que a amarrasse menos aos suspeitos forçados, estaria livre para criar o final que quisesse. Ao contrário, ficou refém da própria armadilha. E foi por isso que muitas teses criativas e engenhosas que circularam nas redes eram bem mais interessantes do que a solução oficial. Eu mesma, como muitos internautas, imaginei um final em que Odete forjaria a própria morte com ajuda de Freitas e talvez de Consuelo (essa, possivelmente enganada). Marco Aurélio seria condenado injustamente, enquanto Odete, vitoriosa, levaria César e Olavinho sequestrados, garantindo sua fortuna através do testamento que beneficiava César. A novela terminaria com ela debochando do país e dos inimigos. Seria forte, coerente e memorável. Mas a autora preferiu agradar a todos, fez uma miscelânea e terminou sem agradar ninguém. As redes estão em alvoroço de críticas.
No fim, o que aconteceu com Vale Tudo se parece muito com o que ocorreu com Avenida Brasil. As pessoas ligavam a TV para assistir Odete e não para Vale Tudo, assim como na época de Avenida Brasil, as pessoas assistiam Carminha. A diferença é que em Avenida Brasil, Carminha se somava à novela e a novela se somava a Carminha. Havia um equilíbrio de forças que potencializava a obra. Em Vale Tudo, Odete engoliu a novela. A personagem passou a existir acima da trama, que acabou se tornando apenas um cenário para que ela brilhasse.
A verdade é que, no fim das contas, a autora pareceu acreditar que valia tudo para caçar likes, criar barulho e manter engajamento digital. Mas Vale Tudo, aqui, não valeu a pena. A pergunta original, que deu sentido à obra de 1988, foi trocada por uma corrida por curtidas. E quando o enigma terminou, ficou apenas a sensação de que valeu tudo, menos aquilo que fazia Vale Tudo valer a pena. E sobrou, no ar, uma pergunta que ninguém queria precisar fazer: quem matou Vale Tudo?
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