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Tempo, máquinas e o dom que estamos perdendo

Por Jorge Nery, administrador e sócio do Grupo Bandô

Tempo, máquinas e o dom que estamos perdendo
Da Redação

Da Redação

08/07/2025 1:30pm

Foto: Acervo Pessoal

Faz tempo que um fantasma assombra a humanidade.

Não é aquele fantasma dos filmes de terror, mas sim fantasmas que causam drama e um tormento psicológico. Uma voz que sussurra nos nossos ouvidos, dizendo:

— “Logo vocês serão substituídos.”

Desde a Revolução Industrial até os avanços da inteligência artificial, vivemos à beira de uma profecia apocalíptica: as máquinas vão dominar o mundo.

Primeiro o trabalho braçal, depois o intelectual.

Agora, dizem que até a nossa criatividade está com os dias contados.

Nessa projeção futurista, nos perdemos.

Caímos em um tipo de buraco negro: uma galáxia mental onde o tempo presente é ignorado. Nesse sentido, estamos sempre revisitando o passado para justificar o que somos no presente e sempre apavorados, temendo o futuro por medo do que não podemos controlar.

Mas quase nunca habitamos o agora.

Vivemos correndo, na “correria” do dia a dia, mas não sabemos de onde, nem pra onde. Essa estranha pressa virou rotina. E descansar, quase um pecado capital. Ser sensível virou fraqueza e ser criativo, um luxo, predestinado apenas aos grandes criadores ou às máquinas mortíferas da humanidade.

Mas algo está mudando.

Uma geração, essa tal GenZ, começou a desconstruir esse enredo.

Uma turma que não se curva às expectativas alheias.

Que se importa pouco com o que passou, e ainda menos com o que está por vir.

Eles têm nos ensinado algo precioso:

a potência do tempo presente.

Eu mesmo fui um crítico dessa ideia.

Fui daqueles que zombavam da leveza e da despreocupação. Afinal, fomos ensinados a prejulgar, a comparar, a competir e sempre trabalhar por algo que devemos ter, possuir e viver lá num futuro um tanto distante. Sim, e a grande prova disso é que nos treinaram para nos aposentarmos, dizendo que, quanto antes iniciarmos o trabalho, tão logo viveríamos os momentos de glória através da nossa sacrificada aposentadoria. Ou seja, viver e desfrutar nunca poderia ser para o agora; isso é coisa do futuro. E o futuro sempre estará lá na frente.

Mas existe algo que as máquinas nunca vão saber sentir: o agora.

A criatividade é um dom natural do ser humano. E ela não vive no passado. Nem no futuro. Como canta Lulu Santos,

“O futuro é uma astronave que tentamos pilotar.”

A criatividade só vive no agora. Veja os compositores, pintores, artistas etc.: a música vem dentro de um ônibus lotado, com o pedaço de papel amassado e uma caneta falhando na mão. Ela não vem do “um dia eu vou compor uma música lá no futuro.” Ela vem do instante, da ousadia de viver o momento presente.

Mas afinal, o que é essa criatividade humana?

De forma simples, é a capacidade de conectar ideias diferentes para gerar algo novo e significativo.

Segundo um estudo da Universidade de Harvard, cerca de 98% das crianças de até 5 anos demonstram alta capacidade criativa. Aos 25 anos, esse número cai para 2%.

O que aconteceu no meio do caminho?

Fomos doutrinados para obedecer, repetir, cumprir metas.

A escola padronizou.

O trabalho automatizou.

A sociedade domesticou.

E agora, diante das máquinas que processam bilhões de dados em segundos, o que nos resta?

Nos resta aquilo que nunca poderá ser copiado:

A intuição.

A emoção.

A conexão.

A imaginação.

Com IA ou sem IA, criatividade é músculo. E precisa ser treinado.

A inteligência artificial é brilhante em reconhecer padrões.

Mas ela não sonha.

Não sente frio na barriga ao imaginar o improvável.

Não enxerga poesia no caos.

E nós?

Estamos esquecendo como fazer isso.

Estamos mais preocupados em parecer inteligentes do que em ser sensíveis.

Mais ocupados em produzir do que em imaginar.

Criatividade exige espaço. Silêncio. Presença. Risco. Curiosidade. Brincadeira. Ousadia de ser quem você é. Tudo o que o ritmo atual nos rouba.

E se você quer ser mais criativo? Comece por aqui:

1. Respire com atenção.

Parece simples, mas é revolucionário. Criatividade começa com presença.

2. Desconecte para reconectar.

Um estudo da Universidade de Utah mostrou que três dias em meio à natureza aumentam em até 50% a capacidade de resolução criativa de problemas.

3. Consuma o mundo como matéria-prima.

Leia, ouça, observe. Mas não copie. Transforme.

4. Erre. Ria. Experimente.

A criatividade não mora no perfeccionismo. Ela vive no improviso.

A máquina pode ser mais rápida. Mais lógica. Mais eficiente. Mas nunca será mais humana.

E é exatamente aí que está nossa vantagem. Não nas repetições… mas nas criações.

O mundo precisa de você presente.

Porque só no presente você pode ser inteiro. E só sendo inteiro, você pode ser criativo.