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Que Show da Xuxa é Esse?

Uma Reflexão Sobre Direitos, Empatia e Intransigência no Caso do Assento no Avião

Que Show da Xuxa é Esse?
Verônica Villas Bôas

Verônica Villas Bôas

15/12/2024 1:03am

Por Verônica Villas Bôas
O incidente envolvendo Jeniffer Castro, uma criança e um assento na janela durante um voo doméstico no Brasil trouxe à tona um debate urgente sobre direitos, deveres e, acima de tudo, humanidade. O que parecia uma simples discussão por um assento transformou-se em um espetáculo público marcado por julgamentos apressados, polarização e um festival de intransigência — um verdadeiro show de horrores, onde todos parecem ter perdido a capacidade de diálogo e empatia.

Sou mãe de dois meninos, hoje dois homens, um de 24 e um de 21, e tenho muito orgulho dos homens que estou entregando ao mundo: verdadeiros cidadãos, empáticos, civilizados, educados e conscientes. Quem me conhece sabe que não sou e nem nunca fui uma mãe permissiva. Meus filhos nunca tiveram, uma única vez nas suas vidas, qualquer atitude birrenta. Nunca fizeram malcriação, nunca se jogaram no chão, nunca bateram o pezinho, porque sempre houve diálogo.

Para cada solicitação deles quando crianças e até hoje, havia e há uma explicação, um diálogo olho no olho. Quando eles eram pequenos, eu me abaixava para falar com eles olhando nos olhinhos deles numa atitude totalmente intuitiva porque eu achava que, assim, passaria mais verdade, segurança e confiança para eles. Só recentemente, depois de crescidos e criados, fui descobrir que eu estava intuitivamente usando a técnica da Escuta Ativa, a mesma que a Princesa de Gales utiliza para educar seus filhos e que ganhou fama recentemente. Essa abordagem consiste em abaixar-se até o nível da criança, estabelecer contato visual direto e falar de forma calma e atenciosa, transmitindo compreensão e respeito pelos sentimentos dela.

O que quero dizer com o que escrevi acima é que não estou defendendo a criança precipitadamente julgada por todos como mimada e birrenta. Não sou a favor de crianças mimadas e birrentas, mas também acho que não podemos julgá-las ou condená-las quando a responsabilidade é de seus pais ou responsáveis, que talvez estejam sendo negligentes, ausentes ou permissivos. 

A verdade é que o que vimos foi essa criança ser imediatamente colocada no banco dos réus, sem qualquer direito de defesa, simplesmente porque os adultos ao seu redor não souberam dialogar ou foram negligentes com suas responsabilidades.

Vamos aos Fatos na Sua Ordem Cronológica

1. Reserva e Direito ao Assento:

•Jeniffer Castro havia reservado e pago antecipadamente por um assento na janela.

•De acordo com as políticas das companhias aéreas, os passageiros têm direito aos assentos que reservaram, especialmente quando pagos previamente.

2. Solicitação de Troca de Assento:

•Durante o embarque, a criança desejava sentar ao lado da avó, que estava em um assento diferente.

•A mãe da criança, Aline Rizzo, solicitou diretamente a Jeniffer a troca de assento.

•A criança já possuía um assento na janela, mas queria estar próxima à avó, algo perfeitamente compreensível para uma criança.

3. Intervenção de Outra Passageira:

•Eluciana Íris Almeida Cardoso, uma advogada e nutricionista que não conhecia a família, ao presenciar a situação, decidiu filmar em solidariedade à criança e à mãe.

•Posteriormente, Eluciana expressou arrependimento por sua ação.

4. Divulgação do Vídeo:

•O vídeo foi publicado no TikTok pelo perfil @marycomciencia, pertencente a Marianna, filha de Eluciana.

•A intenção era expor a suposta falta de empatia de Jeniffer por não ceder seu assento à criança.

•Contudo, a postagem gerou críticas à própria autora do vídeo, levando à desativação do perfil.

5. Repercussão nas Redes Sociais:

•A criança foi alvo de adjetivos pejorativos e julgamentos cruéis, sendo chamada de “mimada” e “birrenta”.

•A mãe, Aline Rizzo, recebeu ameaças e xingamentos, apesar de não ter sido a responsável pela filmagem ou divulgação do vídeo.

6. Responsabilidade da Tripulação:

•Não há registros de que comissários de bordo tenham intervido no episódio, o que considero um absurdo!

•A ausência de ação por parte da equipe de cabine pode ser atribuída ao fato de que a troca de assentos não é obrigatória, especialmente quando os passageiros já possuem assentos previamente designados.

•No entanto, o dever da tripulação não se limita ao cumprimento de regras, mas também à mediação de conflitos e ao bem-estar de todos os passageiros, coisa que não aconteceu, pois eles sequer apareceram na cena! Um absurdo!!!

7. Oportunismo Comercial:

•Uma grande rede varejista aproveitou a visibilidade do caso para promover uma campanha publicitária com Jeniffer, o que foi interpretado por muitos como oportunismo diante de uma situação delicada, visto a velocidade com que a campanha circulou. Um verdadeiro horror!

•A decisão foi amplamente criticada, já que a exploração comercial parecia desconectada da complexidade do episódio.

8. Defesa Materna:

•Independentemente do comportamento da criança, é natural que uma mãe defenda seu filho em situações de conflito.

•Aline Rizzo buscou minimizar o desconforto, retirando a criança da situação assim que possível.

•A ideia de que a mãe deveria ter “educado” seu filho naquele momento ignora a complexidade emocional de uma criança em um ambiente estressante como um avião.

9. Empatia e Compreensão:

•A falta de empatia de Jeniffer ao não considerar a situação da criança foi amplamente criticada, mas ainda assim, ela ganhou fama e amparo da grande maioria, a ponto de virar, da noite para o dia, a mais nova digital influencer do país, com nada menos que cerca de 2 milhões de seguidores!

•Informações indicam que Jeniffer é mãe, o que torna sua postura ainda mais questionável, pois esperava-se maior compreensão de sua parte numa situação envolvendo uma criança.

•A recusa de qualquer tentativa de diálogo ou mediação transformou o incidente em um embate público desnecessário e, gostem ou não, Jeniffer é a maior responsável pela falta de diálogo nesse episódio.

Que este episódio sirva como um convite à reflexão: em tempos de individualismo exacerbado, talvez o maior ato de resistência seja lembrar que estamos todos, metaforicamente, viajando no mesmo avião.”

Reflexão Final: Um Mundo Sem Diálogo e Cheio de Julgamentos

Aonde estava a tripulação? Essa é a pergunta que não quer calar. Por que essa tripulação não interviu? Não se pode achar que eles só podem intervir em situações descritas rigidamente pelas normas. Então, porque está escrito que quem paga o assento tem direito a ele e que os funcionários não podem intervir, deixa-se “o pau comer”? E o bem-estar dos outros cento e tantos passageiros? Com certeza, isso é algo muito mais importante do que o direito individual de dois passageiros em conflito por um assento.

Estamos vivendo um verdadeiro show de horrores, onde as redes sociais transformam qualquer situação cotidiana em espetáculo e tribunal ao mesmo tempo. O que se viu foi a falência do entendimento mútuo e o triunfo de uma cultura onde o “ter razão” importa mais do que “ser gentil”.

Que este episódio sirva como um convite à reflexão: em tempos de individualismo exacerbado, talvez o maior ato de resistência seja lembrar que estamos todos,metaforicamente, viajando no mesmo avião. E, às vezes, ceder um assento, mesmo que isso signifique abrir mão de um pequeno direito, pode fazer a viagem de todos muito mais leve.