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O Enigma Brasileiro: Digitalizados, Dependentes e Desconectados do Futuro

Por Adriano Sampaio, Analista de Inteligencia de Mercado e CEO da Duplamente Inteligência

O Enigma Brasileiro: Digitalizados, Dependentes e Desconectados do Futuro
Da Redação

Da Redação

15/08/2025 4:48pm

Foto: Acervo Pessoal

Imagine um país onde 88% da população navega com destreza no mundo digital via smartphones, 76% dominam pagamentos instantâneos como o Pix, mas onde 45% dos habitantes – quase 100 milhões de pessoas – dependem da ajuda estatal para sobreviver. Um lugar que envelhece aceleradamente antes de enriquecer, onde a informalidade reina e a educação definha. Este não é um cenário distópico: é o Brasil real do século XXI, um quebra-cabeça de contradições que desafia qualquer simplificação.

O coração deste paradoxo pulsa em dados cruciais: somos uma nação altamente urbanizada (87,4%), mas socialmente fragmentada. Economicamente modernizados e globalizados, porém marcados por pobreza extrema e desigualdade gritante. Envelhecemos a passos largos – saltando de 7,4% para 10,9% de idosos entre 2010 e 2022 – sem a riqueza necessária para sustentar essa inversão demográfica. O resultado? Cada vez menos trabalhadores ativos sustentarão mais inativos, travando o crescimento, a menos que a produtividade dê um salto improvável.

A dependência estatal é colossal: 45% da população, quase 95 milhões de brasileiros, são oficialmente vulneráveis e prioritários para programas de transferência de renda. O Bolsa Família, sozinho, atende cerca de 49 milhões. Enquanto celebramos o alcance da assistência, devemos lamentar a tragédia humana por trás dos números: um imenso desperdício de potencial. Milhões são incapazes de gerar renda própria, presos num ciclo de dependência. Recursos vitais para educação e infraestrutura são drenados para a sobrevivência imediata, num país onde quase 30% da população de 15 a 64 anos é funcionalmente analfabeta. O ensino médio público forma apenas 5% de alunos proficientes em matemática, e mais de 10 milhões de jovens (15-29 anos) nem estudam nem trabalham – um exército de talentos ociosos, presa fácil para o crime organizado.

Eis o contraste mais chocante: nessa terra de baixo letramento, 88% têm celulares (na maioria smartphones) e 76,4% usam o Pix. A revolução digital transformou radicalmente a economia (impulsionando home office, apps de transporte, e-commerce) e as relações sociais, substituindo laços comunitários por interações virtuais e dando voz – e poder – a "influencers". Mas metade da força de trabalho está na informalidade, e a tecnologia convive com a exclusão: milhões possuem smartphones mas estão fora do mercado formal, justamente pela falta de educação e qualificação.

A fragmentação é profunda. Não apenas pela renda ou escolaridade – entre uma elite globalizada e uma massa excluída – mas por valores. De um lado, o avanço meteórico das igrejas evangélicas (35,8% da população, ante 22,2% em 2010), moldando um conservadorismo arraigado, associado a uma "pobreza empreendedora" nas periferias. Pesquisas como a do DataSenado mostram 29% dos brasileiros se declarando de direita (chegando a 35% entre evangélicos), contra 15% de esquerda. Do outro lado, grupos identitários com valores liberais radicais, capturando a agenda política tradicional. Esta divisão – conservadores evangélicos versus identitários – alimenta a polarização tóxica que domina o cenário político.

O crime organizado é outra face deste Brasil desconhecido. Traficantes e milicianos controlam vastos territórios (mais de 75% da região metropolitana do Rio em 2019), formando estados paralelos com poder econômico, bélico e até religioso, lavando dinheiro em negócios legais e corroendo instituições. Sua penetração é sistêmica.

O problema central? Brasileiros e, crucialmente, seus líderes políticos, formados no século passado, não compreendem esta nação transformada. Governam para um país que já não existe, com políticas anacrônicas. Um Executivo acuado por crises fiscais, um Legislativo ávido por recursos e um Judiciário que invade competências emperram ainda mais a máquina. O resultado é um barco à deriva, amarrado por remendos ineficazes.

O Brasil do século XXI é um enigma complexo: digital na ponta dos dedos, mas analfabeto funcional; envelhecido antes de amadurecer economicamente; conservador em valores, mas fragmentado em identidades; assistido pelo Estado, mas abandonado em seu potencial. Entender este novo Brasil, em suas dolorosas contradições e desafios imensos, não é um exercício intelectual – é a condição urgente para escapar da deriva e construir um futuro que não repita os erros de um passado que já se foi. A reinvenção começa pelo reconhecimento da realidade, por mais desconfortável que seja. O país exige isso.