Com menor orçamento desde 2011, MEC gasta 81% da verba disponível em 2020
Ministério da Educação não gasta o dinheiro que tem disponível e sofre redução de recursos em 2020, aponta relatório
Mesmo em um ano com pandemia, e frente aos desafios do ensino para manter as aulas remotas, o Ministério da Educação (MEC) fechou 2020 com o menor dinheiro em caixa desde 2011. Não bastassem os cofres vazios, a pasta gastou ainda menos do que poderia, e teve que devolver R$ 1 bilhão aos cofres públicos.
Ao todo, foram R$ 143,3 bilhões destinados ao MEC em 2020. Antes, o menor valor havia sido em 2011, com R$ 127,6 bilhões (veja infográfico abaixo).
Ainda assim, do valor disponível em 2020, só R$ 116,5 bilhões (81%) foram gastos. Os poucos recursos disponíveis afetaram todas as áreas, e houve menos dinheiro para investir em ações como apoio à conectividade em tempos de ensino remoto.
Os programas e ações da educação básica – etapa que vai do ensino infantil ao médio – foram os que tiveram menor gasto no ano passado. Dos R$ 42,8 bilhões disponíveis, o MEC pagou R$ 32,5 bilhões (71%).
As outras áreas (educação profissional, educação superior e administração e encargos) tiveram maior aplicação de recursos, com 82%, 85% e 83% dos recursos pagos, segundo dados apresentados no relatório.
Os números mostram uma ineficiência na gestão das políticas de educação, segundo o relatório do Todos pela Educação, divulgado neste domingo (21). A área já enfrentava problemas antes da pandemia, mas o cenário atual traz ainda mais preocupação.
"O relatório traz evidências da falta de gestão do Ministério da Educação", afirma Olavo Nogueira Filho, diretor executivo do Todos pela Educação.
"Temos um cenário em que o orçamento já está bastante reduzido e o MEC nem sequer está conseguindo executar [pagar]. Em parte, por incapacidade de gestão, e em parte, por ausência de um projeto claro para a educação básica. Não estamos falando de governo de 2 meses, é de um governo de 2 anos. Ainda não está claro qual é o projeto de educação básica e qual é a agenda compactuada com estados e municípios para desenvolvê-la", analisa.
Em nota, a pasta afirmou apenas que "considerando o cenário de enfrentamento à pandemia da Covid-19, não houve atrasos nas políticas prioritárias do Ministério da Educação."
Na época, Milton Ribeiro, ministro da Educação, afirmou que "considerando que os gestores anteriores não empenharam os valores e o povo da economia, que quer economizar de todo jeito, viu que tinha um valor considerável parado no segundo semestre, estenderam a mão e tiraram da gente. Foi isso que aconteceu."
Para Nogueira, "não basta ter recursos. O ponto central é como aplica esse recurso."
"Em condições normais já seria bastante grave, dada a situação da educação básica. Em um cenário de pandemia, torna-se injustificável", afirma Nogueira.
A pandemia fechou as salas de aulas, colocou lupa na desigualdade social e escancarou os problemas das escolas brasileiras, que poderiam ser minimizados com ações do MEC, segundo Nogueira.
Milhares de alunos sem computadores em casa ou local apropriado para estudar tiveram dificuldades de seguirem estudando. Os pacotes de dados não davam conta de carregar vídeos e fazer upload e download de tarefas.
Isso se somou a problemas antigos que tornam mais complexa a reabertura das salas em meio à pandemia: ainda falta levar encanamento a mais de 3 mil instituições de ensino no país.
Quase 10 mil não têm acesso à água potável. Quatro a cada dez escolas do Brasil não tem estrutura para lavagem de mãos dos alunos, afirma OMS e Unicef.
De acordo com a análise do Todos pela Educação, 2020 encerrou sem que o MEC tivesse destinado novos recursos para a educação básica em ações referentes à pandemia.
Em setembro, o governo anunciou que iria remanejar R$ 525 milhões em recursos do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) para enviar às escolas. Deste total, 84% foram pagos em 2020 (R$ 443,9 milhões). Há a previsão de repassar ainda R$ 228,1 milhões em 2021, elevando a soma total para R$ 672,7 milhões.
Perdas além das escolas fechadas
A ineficiência na gestão do MEC poderá agravar ainda mais as políticas de médio e longo prazo, aponta outro relatório do Todos pela Educação, também divulgado neste domingo (21).
Os impactos da pandemia vão além das escolas fechadas. As políticas educacionais em curso antes da pandemia foram "brutalmente afetadas", afirma Nogueira.
Antes da pandemia, uma agenda de reforma educacional estava em curso, como a criação de novos currículos escolares que seguissem a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Segundo o relatório, 636 municípios homologaram novos currículos em 2020, chegando a 4,5 mil municípios alinhados à BNCC (81%). Mais de 1.000 cidades seguem atrasadas na definição do documento.
Também estava em curso a "implementação para valer", como diz Nogueira, da reforma do ensino médio – que alterou o currículo desta etapa de ensino baseando-se em itinerários formativos e foco no ensino integral.
Assim como houve o início de um processo de mudança na formação de professores, para atualizar diretrizes aprovadas no Conselho Nacional de Educação em 2019.
E ganhou força, na avaliação de Nogueira, a expansão das experiências de sucesso da rede pública do Ceará (na alfabetização) e de Pernambuco (no ensino médio), que vinham sendo replicadas em outras redes.
O único projeto que avançou em 2020 foi a aprovação do Novo Fundeb no Congresso, fundo que financia a educação básica brasileira e iria expirar em dezembro. Agora, o fundo é permanente e a contribuição da União vai subir de 10% para 12% em 2021 até chegar a 23% em 2026.
Segundo Nogueira, a desaceleração das reformas educacionais foi acentuada pela ausência do MEC. Como exemplo, ele cita os programas federais pró-BNCC e apoio ao Ensino Médio
"Essa agenda de fôlego, de longo prazo, para a educação básica corre o risco de ser bastante enfraquecida ao longo dos próximos 2 anos [de gestão do governo Bolsonaro]", afirma Nogueira.
Para ele, a "luz amarela" acendeu na educação.
Fonte: G1