Saúde

Entenda o papel de cada instituição no cenário da pandemia

Entenda o papel de cada instituição no cenário da pandemia
Fabiana Dias

Fabiana Dias

23/04/2021 4:25pm

O avanço da pandemia do coronavírus mobilizou investimentos em pesquisas e negociações logísticas para a produção e a distribuição de vacinas em todo o mundo. Na corrida pela busca de imunizantes para conter o coronavírus no Brasil, três instituições ficaram em evidência: o Instituto Butantan, a Fiocruz e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). 

Logo no início da pandemia, o Instituto Butantan se associou à fabricante chinesa de medicamentos Sinovac/Biotech para conceber, desenvolver e testar em parceria uma vacina: a CoronaVac. A Fiocruz, por sua vez, como um dos pilares estratégicos de combate ao vírus, passou a fazer parte das diversas frentes nacionais e internacionais de busca pela vacina contra a COVID-19. 

Por seu papel central de regular, controlar e fiscalizar serviços e produtos que implicam risco à saúde, a ANVISA também se tornou o centro das atenções, em torno de um tema urgente como a pandemia e a necessidade de aprovação de uma vacina. 

Até o momento, quatro vacinas foram testadas no Brasil: AstraZeneca/Oxford, CoronaVac, Pfizer e Janssen. A vacina AstraZeneca/ Oxford, que é uma parceria do Instituto Serum com a Fiocruz, já teve autorização de uso emergencial para vacinas que vêm da Índia, e a CoronaVac, do Instituto Butantan, teve a aprovação para as vacinas que são envasadas no Brasil. A vacina da Pfizer também foi registrada na ANVISA; já para a vacina da Janssen, o pedido de autorização para uso emergencial ocorreu na penúltima semana de março. 

O empenho da Fiocruz em busca da vacina 

Com uma tradição de mais de 70 anos na produção de vacinas, a Fiocruz tem se empenhado para manter os seus esforços nesse campo durante a pandemia do coronavírus. A aposta da Fundação Oswaldo Cruz na produção de vacinas para a COVID-19 foi um acordo com a biofarmacêutica AstraZeneca para produzir, no Brasil, a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford. Um dos compromissos é entregar 100,4 milhões de doses até julho de 2021 e mais 110 milhões ao longo do segundo semestre. A Fiocruz já recebeu a autorização da ANVISA para o pedido emergencial inicial para a importação de vacinas prontas do Instituto Serum, um  dos centros capacitados pela AstraZeneca para a produção da vacina na Índia. A estratégia foi uma tentativa de antecipação do início da vacinação pelo Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a COVID-19. 

Além do pedido para a importação, a Fiocruz também submeteu um pedido de autorização para uso emergencial da vacina, que foi autorizado pela ANVISA. O processo de avaliação incluiu dados sobre segurança, qualidade e eficácia da vacina. Outra ação da Fiocruz no empenho em busca de uma vacina contra a COVID-19 foi a assinatura do acordo com o Reino Unido para garantir a produção nacional com transferência total de tecnologia. 

O vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Marco Aurelio Krieger, destacou a participação da Fundação no esforço global na busca de imunizantes que sejam eficazes na prevenção da COVID-19. Para ele, a responsabilidade da Fiocruz vai além do acompanhamento das vacinas mais avançadas e perpassa pela continuidade de apoiar projetos de pesquisa básica e estudos clínicos. Em 120 anos de história, a Fiocruz é responsável pela reforma sanitária que erradicou a epidemia de peste bubônica e a febre amarela no Rio, a instituição possui um Complexo Tecnológico de Vacinas do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz) responsável por garantir a autossuficiência em vacinas essenciais para o calendário básico de imunização do Ministério da Saúde.


"O compromisso da Fiocruz é com todas as iniciativas que possam ajudar a sociedade a ter acesso a uma vacina segura contra a COVID-19"

Marco Aurelio Krieger, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz


Entre os imunizantes produzidos pela Fiocruz estão: DTP e Haemophilus influenzae tipo B (Hib), Febre Amarela, Haemophilus influenzae tipo B (Hib), Meningite A e C, Pneumocócica 10-valente, Poliomielite Oral (VOP), Poliomielite Inativada (VIP), Rotavírus Humano, Tríplice Viral e Tetravalente Viral.   

Primeira vacina contra a COVID-19 no Brasil é do Instituto Butantan 

Em uma parceria tecnológica com a Sinovac Biotech, uma das principais biofarmacêuticas chinesas, o Instituto Butantan produziu a primeira vacina contra a Covid-19 no Brasil. A parceria entre as duas instituições permitiu a troca de conhecimento e de tecnologia, mas a produção da CoronaVac é local, embora a matéria-prima seja chinesa. 

Após visitas técnicas de equipes da ANVISA e do Butantan ao complexo fabril da Sinovac em dezembro de 2020, a agência concedeu à Sinovac a Certificação de Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos, o que permitiu o início da produção das vacinas no Butantan. Na ocasião, o Instituto Butantan saiu na frente e deu início à produção da CoronaVac, que ainda se encontrava em fase de testes. 

O pedido de uso emergencial, aprovado pela ANVISA, ocorreu em janeiro de 2021. Com a aprovação, a vacina CoronaVac, que iniciou os testes para estudos clínicos em julho do ano passado, tornou-se a primeira vacina contra a COVID-19 aplicada no Brasil. 

Assim como a Fiocruz, o Instituto Butantan teve  como razão principal da sua origem a produção do soro antipestoso para combater o surto de peste bubônica. Com o controle da peste bubônica, o instituto passou a e disponibilizar soro antidiftérico, além dos soros antibotrópico (contra o envenenamento por cobra cascavel) e anticrotálico (contra o envenenamento por cobra jararaca). 

Atualmente, com 120 anos de história, o Instituto Butantan é um importante centro de pesquisa biomédica, que integra pesquisas científicas e tecnológicas, produção de imunobiológicos e divulgação técnico-científica, buscando a permanente atualização e integração de seus recursos e, com isso, a inovação. Referência nacional, o instituto é o principal produtor de imunobiológicos do Brasil. 

Responsável por grande porcentagem da produção de soros hiperimunes, o Instituto Butantan também produz grande volume dos antígenos vacinais que compõem as vacinas utilizadas no Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde. Os laboratórios e fábricas do Butantan produzem 12 soros contra o envenenamento por diversas espécies de cobras, escorpiões, aranhas e lagartas; e contra difteria, tétano, botulismo e raiva. Além disso, é responsável pela produção das vacinas contra a raiva, HPV, Hepatite A, Hepatite B, Influenza Trivalente, H1N1 e DTPa. Na sua comemoração pelos 120 anos de experiência e tradição, o Butantan está enfrentando o desafio de produzir a primeira vacina do Brasil contra a Covid-19. O desenvolvimento da produção-piloto da primeira vacina nacional foi anunciado no dia 26 de março, e o instituto já protocolou na ANVISA o pedido para iniciar os testes clínicos da Butanvac.

O processo de aprovação das vacinas na ANVISA 

                    Gustavo Mendes

O gerente-geral de Medicamentos da ANVISA, Gustavo Mendes, explicou que existem duas vias de aprovação pela ANVISA. A primeira é a autorização para o uso emergencial, que é para as vacinas que ainda estão em estudo, mas que já possuem segurança bem estabelecida e uma eficácia mínima de 50% nos estudos da fase 3. A outra forma de aprovação é o registro, que é concedido quando a vacina já possui dados bem estruturados. Em ambos os casos, a análise segue os critérios de eficácia, segurança e qualidade. 

A eficácia indica o percentual de funcionamento da vacina e é calculada por meio de uma abordagem estatística que, para atender ao quesito, é preciso ter o percentual mínimo de eficácia, que é 50%. Outro aspecto é a segurança, que analisa quais foram os eventos adversos que ocorreram nos estudos clínicos. O terceiro critério é a qualidade, que leva em conta as boas práticas de fabricação da vacina. O local onde a vacina será fabricada precisa ter as condições sanitárias adequadas para que não haja nenhum problema com a fabricação dos lotes. 

Além da análise dos critérios, existe a etapa de farmacovigilância, que inclui o monitoramento pela empresa fabricante após a disponibilização das vacinas para uso. De acordo com Gustavo Mendes, os critérios que a ANVISA aplica no Brasil são os mesmos utilizados pelas principais agências reguladoras do mundo. Segundo ele, abrir mão desses critérios pode trazer sérias consequências, pois sem passar por todas as etapas de avaliação, não é possível mensurar a segurança, eficácia e qualidade dos imunizantes. 

“Na parte das agências reguladoras estamos bem alinhados com o que tem sido feito em outros países. Não cabe a agência nenhuma a negociação de compras de vacinas ou de doses. Mas a etapa regulatória, que é uma etapa fundamental para qualquer país, está sendo bem cumprida pela agência”, concluiu.  

O papel da ANVISA 

Criada em 1999, a ANVISA é uma agência reguladora que tem o papel de fiscalizar a produção e o consumo de produtos submetidos à vigilância sanitária e somente deixar passar aqueles que forem seguros, eficazes e de qualidade. São submetidos à aprovação da agência medicamentos, alimentos, cosméticos, produtos de limpeza, equipamentos e materiais médico-hospitalares, imunobiológicos, produtos radioativos utilizados em diagnóstico e terapia, cigarros, dentre outros produtos que envolvam a possibilidade de risco à saúde. 

                    Leandro Stelitano

Quem conhece bem esse processo de avaliação da ANVISA é o fundador e presidente da Associação para Pesquisa e Desenvolvimento da Cannabis Medicinal no Brasil (CANNAB), Leandro Stelitano. Ele acompanhou o processo para a aprovação do uso medicinal do canabidiol. Leandro contou que foi um longo caminho até a aprovação das duas resoluções que visam facilitar e agilizar o acesso do produto aos pacientes. 

O processo envolveu critérios minuciosos e exigências que precisaram ser cumpridas para garantir a autorização sanitária para produtos à base de Cannabis, no entanto, eles não podem ser registrados como medicamentos. Outra exigência é que não devem conter mais do 0,2% de tetrahidrocanabinol (THC) em sua fórmula, salvo aquelas formulações destinadas aos cuidados paliativos de pacientes em situações clínicas irreversíveis e sem outras alternativas terapêuticas. Além disso, só estão autorizadas as formulações administradas por via oral e nasal.

A burocracia na regulamentação 

O papel de regulamentação, que no Brasil é desempenhado pela ANVISA, nos Estados Unidos, fica a cargo da Food and Drug Administration (FDA). As duas instituições apresentam semelhanças e diferenças entre si. Ambas são bem criteriosas nas regulamentações, mas cada país controla os seus produtos à sua maneira. Uma comparação clara das diferenças entre as duas instituições é a classificação de alguns suplementos. Enquanto muitos produtos são classificados como suplementos nos EUA, no Brasil eles são considerados medicamentos. Por esse motivo, é comum encontrar produtos ou suplementos aceitos para venda nos Estados Unidos, mas que não são permitidos no Brasil. 

No que se refere às vacinas, os critérios de avaliação são semelhantes. Por exemplo, tanto a FDA quanto a ANVISA estipulam que para que seja aprovada uma vacina contra a Covid-19, ela deve ter, no mínimo, 50% de eficácia. Mas mesmo com critérios equivalentes, uma aprovação por uma agência reguladora em outro país não significa uma aprovação automática pela ANVISA. O produto ainda precisa passar por análises e caso não atenda às condições estabelecidas pela agência brasileira, pode ser rejeitado. 

Em maio de 2020, foi aprovada uma lei que obriga a ANVISA a avaliar em até 72 horas quaisquer materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área da Saúde sujeitos à vigilância sanitária que tenham sido aprovados por quatro agências estrangeiras consideradas referências. A lei cita as agências equivalentes: a FDA, dos Estados Unidos, a EMA, da União Europeia, a PMDA, do Japão, e a NMPA, da China. A regra estabelece ainda que caso a ANVISA não analise o pedido nesse prazo, a autorização será “concedida automaticamente”. É importante frisar que a lei não impede a ANVISA de rejeitar o pedido após a análise, pois uma aprovação automática só aconteceria em caso de ausência de resposta. 

Por mais que o processo de análise da ANVISA seja burocrático, é de grande responsabilidade e necessário para evitar desvios, falsificações ou qualquer outro ato que coloque em risco a saúde das pessoas. No contexto da pandemia, em que os processos de licenciamento de uma vacina ficaram ainda mais urgentes, a ANVISA tem um desafio ainda maior: o de equilibrar os esforços, avaliar documentos e emitir pareceres com prazos reduzidos, levando em conta os critérios de eficácia, segurança e qualidade.