Gastronomia

O empresário por trás dos burgers

Conheça a trajetória do chef que revolucionou o cenário soteropolitano da gastronomia

O empresário por trás dos burgers
Brenda Sales

Brenda Sales

20/04/2021 4:25pm

Rafael Zacarias é uma das histórias de sucesso no empreendedorismo em Salvador. Aos 38 anos, Zacarias apresenta um currículo extenso: estagiou com Marc Le Dantec na capital baiana antes de se mudar para o Rio de Janeiro, onde se formou na École Alain Ducasse. Trabalhou no FASANO, ainda no Rio, no Grossi Florentinos, em Melbourne, no The Chelsea Bistrô, em Brisbane, e como chef do Restaurante Pereira. O chef também foi supervisor e professor do curso de Gastronomia na UNIJORGE, antes de fundar o seu próprio negócio. 

O início da trilha de Rafael na gastronomia começou quando ele tinha, aproximadamente, 20 anos. “Eu não estava me encontrando em nada, comecei a ter acesso a pessoas que cozinhavam e fui me interessando pelo tema. Percebi que eu tinha facilidade em aprender e comecei a gostar de cozinhar. Quando você se encontra em uma profissão na qual consegue aprender rápido e se desenvolver, aí é maravilhoso!”.

"Eu não estava me encontrando em nada, comecei a ter acesso a pessoas que cozinhavam e fui me interessando pelo tema. Percebi que eu tinha facilidade em aprender e comecei a gostar de cozinhar. Quando você se encontra em uma profissão na qual consegue aprender rápido e se desenvolver, aí é maravilhoso"

Para Zacarias, o começo na gastronomia foi muito difícil, principalmente na época em que começou, quando foi necessário ser perseverante. “A gente ficava muito chocado com a realidade. As pessoas têm uma visão da gastronomia muito glamorosa, as faculdades vendem essa imagem idealizada do chef de cozinha. O começo foi desanimador; você está formado e quer entrar em uma empresa séria, mas muitas vezes você chegava a um lugar que não tinha aquele entendimento acadêmico de cozinha clássica, era o conhecimento empírico que, às vezes, era acompanhado de muita coisa errada, de muitos vícios. Antes, ter pessoas com formação acadêmica nas cozinhas no Brasil era uma coisa muito rara. Era desanimador inclusive o salário. Hoje, já é uma profissão mais difundida e é possível ter acesso aos chefs que dão um entendimento da realidade do mercado. Entendi que era preciso fazer um investimento de carreira para colher a recompensa lá na frente. Eu tracei o objetivo de escolher o lugar onde eu iria trabalhar”. 

A ideia de trabalhar com hambúrgueres gourmet surgiu porque o empresário encontrava em Salvador produtos muito parecidos entre si ou que dependiam da importação de ideias de fora, sentindo falta de opções autorais. “Acho o mercado local muito copiado, repetitivo. Se uma coisa deu certo, todo mundo faz igual ou parecido. Isso não é sustentável. Para aqueles líderes de mercado, que ditam tendências, isso é muito bom, mas para o resto acaba não sobrando espaço. Isso está mudando, hoje vemos profissionais de cozinha sendo donos do próprio negócio, empreendendo, o que enriquece o mercado. As pessoas precisam procurar fazer trabalhos autorais, singulares, conhecer bem a região, a matéria-prima e os fornecedores, enfim, enxergar a gastronomia como muito mais que um prato bonito”, desabafou Zacarias. 

Nesse cenário, o chef começou a tomar a inciativa para criar algo diferente do que ele encontrava até então, resultando na fundação da Hamburgueria Bravo. “Quando eu decidi fazer hambúrguer, pensei que ficaria limitado; era só colocar tudo dentro de um pão. Eu queria fazer diferente, então usei os meus conhecimentos de alta gastronomia e os uni ao regionalismo e à preocupação com a matéria-prima. Tudo isso agregou ao que eu queria colocar no hambúrguer, que passou a ter infinitas possibilidades”, declarou o empresário. 

Rafael comentou que a Bravo nasceu sem pretensão de ser do tamanho que é hoje, mesmo assim, a hamburgueria conquistou prêmios ao redor do Brasil, além do coração dos soteropolitanos. O estabelecimento venceu a premiação de Melhor Hambúrguer do Brasil no Melhores do Ano Prazeres da Mesa 2017, além do Melhor Hambúrguer de Salvador pela Veja Comer & Beber nos anos 2017/18 e 2018/19. Recebeu o certificado de excelência pelo Trip Advisor em 2017, o prêmio destaque em Inovação no Troféu Lojista 2017 e o de Hamburgueria Mais Lembrada pela 24ª edição do Top of Mind Salvador.

"Lidar com a pandemia está sendo bem difícil; precisamos nos adaptar rápido às mudanças e tomar decisões difíceis que impactam em todos da empresa. Conhecer o negócio, a matéria-prima e saber aproveitar o máximo possível os ingredientes para evitar desperdícios tem sido de grande ajuda, além de uma gestão administrativa bem calculada. Ter controle é fundamental para conseguir realizar um trabalho em meio à crise"

Mas foi o Prazeres da Mesa o primeiro divisor de águas da história da Bravo. “Essa premiação é feita pela revista mais conceituada de gastronomia do Brasil, a que dita tendências. O Mesa é o principal prêmio de reconhecimento, é como se fosse o Oscar da gastronomia. Naquele momento, estavam os meus maiores ídolos, as minhas referências, e eu reunido com aqueles chefs. No ano em que recebemos o Mesa, tínhamos apenas duas lojas, e no dia seguinte a Bravo estava em outro patamar, começando a ser reconhecida fora de Salvador, fora da Bahia. A empresa passou a tomar uma dimensão que nem eu imaginava que tomaria. Depois do prêmio, passamos um ano inteiro vendendo todo dia como se fosse fim de semana. Então, inauguramos uma terceira loja, ainda vivendo aquele momento mágico. E, de lá para cá, começamos a acumular prêmios. É a concretização do reconhecimento, de saber que está fazendo um trabalho correto”, expôs o chef.

Rafael afirmou ser inspirado por todos os chefs com os quais trabalhou diretamente, como Luca, do FASANO, e Alain Ducasse. “Admiro muitas pessoas também em Salvador, a exemplo de Tereza Paim, Edinho Engel e Fabrício Lemos. Mas uma das minhas maiores referências é o chef Alex Atala, quando ele fala, as pessoas param para ouvi-lo. Meus familiares também me inspiram, minha esposa, meu tio, meus filhos, enfim, a inspiração vem de vários lugares. Gostamos muito de frequentar a cozinha do chef Massimo Cremonini, além do Casa di Vina, Mistura, Ori, Farid, Pereira Café, o DOQ e o Boia, mas neste período de pandemia temos saído muito pouco”, disse o empresário. 

A Bravo foi muito bem estudada antes de ser aberta. De acordo com Rafael, a essência do estabelecimento desde 2015 até hoje é muito parecida, a diferença está na estrutura mais robusta, na qual modificaram a forma de trabalhar e gerir a empresa, que havia crescido e se tornado mais complexa. 

Para ter um negócio de sucesso, Rafael reitera a importância de acertar no produto. “É um desenvolvimento constante do aprimoramento do hambúrguer, desde o processo criativo até a elaboração de produtos novos também, sempre tentando caminhar na direção do que os nossos clientes gostam. O negócio deu certo, a parte difícil é manter dando certo apesar dos momentos adversos”, afirmou. 

A Bravo é muito dinâmica, está sempre mudando. Foi criada também a “Padaria da Bravo”, além da hamburgueria. A padaria surgiu em função da necessidade de ter o controle total dos produtos e da oportunidade de expandir a empresa, para ter esse capital de dentro circulando. Atualmente, a empresa tem outro sócio, Albano Chagas Vieira, tio de Rafael, e também tem uma sociedade com o Grupo Pereira em duas lojas. Hoje, Zacarias atua mais diretamente com o estudo, a pesquisa e o desenvolvimento dos produtos, o controle de qualidade, além da gestão de pessoas e processos. De acordo com Rafael, o Rock ‘n Roll também é um dos elementos caracterizadores da Bravo, desde a estética até a escolha de músicas a serem tocadas nas lojas. “É como unha e carne, já foi absorvido por todos os nossos profissionais que trabalham ouvindo música”, comentou. 

Inovação 

Para lidar com o cenário de pandemia, foi necessário inovar. “Está sendo bem difícil, precisamos nos adaptar rápido às mudanças e tomar decisões difíceis que impactam em todos da empresa. Conhecer o negócio, a matéria-prima e saber aproveitar o máximo possível os ingredientes para evitar desperdícios tem sido de grande ajuda, além de  uma gestão administrativa bem calculada. Ter controle é fundamental para conseguir realizar um trabalho em meio à crise.”, explicou. 

O chef declarou ainda que sempre trabalha com o cardápio em função do estoque e da disponibilidade de matéria-prima. Entre as inovações criadas, destacam-se os novos hambúrgueres de menores gramaturas e preços mais acessíveis, além da “Bravo para fazer”, uma opção para os clientes adquirirem os ingredientes dos burgers para montá-los em casa. “O importante agora é tentar manter os empregos de todos os colaboradores, continuar vendendo e fazendo os nossos clientes satisfeitos com o melhor burger possível”, relatou. 

O futuro da Bravo vai depender muito deste ano. “Depende de como a empresa vai sair desta pandemia e da crise do setor. Discutimos sobre crescer, franquiar a marca, expandir para outros negócios, aumentar a pluralidade de produtos, mas o momento agora não é de pensar sobre isso, é de pensar em sobreviver à pandemia. Estamos fazendo um bom trabalho, está sendo muito difícil, muitas vezes frustrante, mas sabemos que é o trabalho correto. A expansão provavelmente é certa, a empresa tem essa personalidade expansionista, tornou-se fácil para nós crescermos, só é preciso que seja sustentável e que valha a pena, economicamente falando”, explicou o chef. 

Em relação à alta gastronomia, Zacarias explica que a inflação do alimento está afetando a rentabilidade de muita gente, e eles acabam tendo que repassar isso para o cliente. “A alta gastronomia sofre um pouco mais com esta crise, até pelo custo operacional e o processo de adaptação que não é tão simples assim. Você servir um prato de alta gastronomia em uma caixinha que vai demorar uns 15-20 minutos para ser comido, já perde muito a qualidade. Muitos chefs estão adotando a linha de uma alimentação mais acessível, do dia a dia, e não necessariamente isso deixa de ser alta gastronomia. Por outro lado, muitos chefs optam em manter a mesma linha, não é tão simples, mas alguns conseguem, têm conhecimento e know-how para isso, além de ter um público fiel. A pandemia é um momento de repensar o luxo para pensar na necessidade, na sobrevivência”, declarou. 

"O importante agora é tentar manter os empregos de todos os colaboradores, continuar vendendo e fazendo os nossos clientes satisfeitos com o melhor burger possível"

Sobre voltar a assinar como chef em um restaurante de alta gastronomia, Zacarias explica que quando se experimenta a vida de empreendedor, e dá certo, não se quer voltar a trabalhar para os outros. “Minha maior vontade hoje, realmente, é mostrar mais do meu trabalho autoral em outra cozinha. Preciso pensar melhor no que vou  produzir da alta gastronomia e no formato. Enquanto não lanço uma novidade, vou amadurecendo gastronomicamente; cada ano que passa, eu me sinto mais bem preparado”. 

Rafael preocupa-se também com a sustentabilidade de seu negócio. “Estou preparando a Bravo para as tendências, principalmente a Economia Circular, para ser uma empresa mais responsável com o lixo, reduzir o consumo de plástico ao máximo, saber como e onde descartar, algo que é ainda muito precário em Salvador: a coleta seletiva. Hoje, já podemos escolher produtores rurais que se adéquam melhor a essa filosofia. Queremos preparar a empresa para este novo momento. Na Bravo, a gente já reduziu bastante o consumo de plástico, o delivery infelizmente produz muito lixo, mas é uma necessidade que está salvando empresas durante este período. Temos que formar as próximas gerações de profissionais já engajados com a sustentabilidade”, explicou o chef. 

“A Bravo mudou minha vida. Essa empresa vem mudando a vida de muita gente também. É uma marca respeitada, uma escola de grandes profissionais que formamos. Tenho muito orgulho do que construímos. Profissionalmente, sinto-me realizado”, conclui o premiado chef.