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Reforma Tributária: Por Que Nenhum Empresário Deveria Enfrentá-la Sozinho

A maior transformação do sistema tributário brasileiro em décadas expõe uma verdade incômoda: o isolamento empresarial virou um luxo que ninguém pode pagar

Reforma Tributária: Por Que Nenhum Empresário Deveria Enfrentá-la Sozinho
Luiz Henrique do Amaral

Luiz Henrique do Amaral

10/12/2025 12:15pm

Imagem: ChatGPT

Imagine-se diante de 200 páginas de regulamentação tributária. A Emenda Constitucional nº 132/2023 promete simplificação, mas a realidade é outra: transição de cinco tributos para três, oito anos de convivência entre regimes, alíquota padrão projetada em 27,5% — potencialmente a mais alta do mundo. E você, com sua calculadora e seu advogado, tentando decifrar sozinho como sua operação sobreviverá a partir de 2026. 

Essa cena se repete agora em milhares de estabelecimentos. Mas há uma diferença fundamental entre empresários que transformarão essa complexidade em oportunidade e aqueles que apenas sofrerão suas consequências: os primeiros não estão sozinhos. 

A reforma tributária não é apenas uma mudança de siglas — de PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS para CBS, IBS e Imposto Seletivo. É uma redistribuição de poder econômico que beneficiará desproporcionalmente quem tiver voz coletiva organizada. O associativismo deixou de ser networking social para se tornar infraestrutura crítica de sobrevivência empresarial.

As Três Batalhas Que Definiram Seu Futuro

Enquanto empresários acompanhavam a reforma pelos noticiários, uma guerra silenciosa era travada em três frentes. E, em todas elas, o associativismo foi o general que lutou por você. 

No Parlamento — A Conquista da Alíquota Reduzida 

A alíquota padrão do novo IVA brasileiro deve girar em torno de 27,5%. Para bares e restaurantes, porém, foi garantida uma redução de 60%, resultando em uma alíquota efetiva de aproximadamente 16,8%. Essa conquista não foi um acidente. 

Foi resultado de articulação intensa de entidades como a Abrasel, que apresentaram estudos técnicos, demonstraram a sensibilidade social do setor e construíram pontes com parlamentares. Enquanto o empresário individual negociava com seu fornecedor, a associação negociava com o Congresso Nacional.  

Setores desorganizados não conseguiram sequer ser ouvidos. A presença institucional constante fez a diferença entre 27,5% e 16,8% — diferença que, para um restaurante médio, pode significar viabilidade ou falência. 

Na Regulamentação — Os Detalhes Que Valem Milhões 

Aprovar a alíquota reduzida é apenas o primeiro passo. A segunda batalha acontece na regulamentação: quem exatamente se beneficia? O que caracteriza “alimentação fora do lar”? Food trucks entram? Delivery conta? 

Cada vírgula será negociada no Comitê Gestor do IBS e na Receita Federal. Empresários individuais não têm assento nessas mesas. Associações setoriais, sim. Essa é a dimensão menos compreendida do associativismo: ele funciona como um escritório de advocacia tributária coletiva, permanentemente posicionado onde o futuro do setor é desenhado.

Na Implementação — Conhecimento Como Vantagem 

A reforma exige transformações operacionais: novos sistemas, adequação de processos e treinamento. Contratar consultoria especializada individualmente representa um investimento proibitivo para a maioria dos estabelecimentos — exatamente o tipo de barreira que o associativismo dissolve por meio da economia de escala. 

O associativismo resolve isso pela economia de escala do conhecimento. A mesma análise que custaria milhares de reais individualmente é produzida uma única vez e distribuída a todos. Workshops substituem consultorias. A associação funciona como uma central de inteligência setorial: problemas identificados em Salvador geram alertas para todo o país. Erros caros não precisam ser repetidos.

A Matemática Brutal do Isolamento 

A mensalidade associativa representa uma fração mínima do que um empresário gastaria para obter os mesmos recursos individualmente. Considere o custo de consultoria tributária especializada, assessoria jurídica para contestações, a perda de oportunidades por desconhecimento de benefícios fiscais e a exposição a riscos regulatórios capazes de gerar multas expressivas. A matemática é brutal: o custo de não se associar supera exponencialmente o investimento na associação. 

Um empresário pode ter o melhor advogado do país, mas seu advogado não tem assento nos fóruns de discussão da Reforma Tributária. As entidades empresariais têm. A diferença entre enfrentar a reforma sozinho ou coletivamente não é apenas de custo — é de possibilidade real de influenciar as regras antes que elas sejam impostas.  

Estratégia, Não Altruísmo 

Associar-se não é um gesto de solidariedade. É uma decisão empresarial estratégica, baseada em análise racional de custo-benefício. Quando milhares de  empresários financiam coletivamente uma estrutura de defesa institucional, eles não fazem caridade — compram segurança jurídica, acesso político e inteligência de mercado a preço de atacado. O empresário isolado enfrenta um aparato estatal complexo de forma solitária. 

O empresário associado tem acesso a uma estrutura permanente de monitoramento legislativo, relacionamento institucional e mobilização política. Tem representação onde decisões são tomadas. Tem voz onde regras são escritas. 

Não se trata de qual opção é mais nobre. Trata-se de qual é mais inteligente.

O Pacto Geracional 

A alíquota reduzida de 60% não foi conquistada em 2023. Foi construída ao longo de décadas de presença institucional, relacionamentos cultivados pacientemente e credibilidade acumulada. Empresários que hoje se beneficiam, muitas vezes, não participaram das batalhas que tornaram essa conquista possível. 

Se o associativismo se fragilizar por adesão oportunista ou descontinuidade, as conquistas não se sustentarão. Uma regulamentação favorável pode ser revertida amanhã se não houver quem a defenda. O associativismo não é apenas uma estratégia de defesa individual — é um pacto geracional. 

A Escolha Inevitável 

A reforma tributária não perguntou se você está sozinho ou acompanhado. Ela aconteceu. Mas apenas os acompanhados terão condições reais de navegar por essa transformação sem naufrágio. 

O associativismo empresarial ainda é visto por muitos como “mais uma despesa”. Essa percepção precisa morrer. Associar-se é investimento em infraestrutura de proteção — tão essencial quanto seguro ou sistema de segurança. 

Nos próximos anos, a reforma separará os empresários em duas categorias: aqueles que tiveram representação onde as definições aconteceram e aqueles que simplesmente acataram definições feitas por outros; aqueles que acessaram conhecimento coletivo e aqueles que pagaram caro para aprender sozinhos. 

A escolha é individual. 

Mas as consequências serão coletivas