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É preciso (muita) coragem para se reinventar

César Souza, empresário, consultor e palestrante. Preside o Grupo Empreenda . Autor de Passaporte para o Futuro.

É preciso (muita) coragem para se reinventar
Coluna Business Bahia

Coluna Business Bahia

19/03/2023 3:00pm

Quem poderia imaginar que o filho de um pescador e de uma balconista de farmácia um dia se tornaria consultor de várias das maiores empresas do país e conselheiro pessoal de diversos líderes empresariais, após uma carreira inusitada como executivo internacional? E que ainda seria apontado pelo World Economic Forum, em Davos, na Suíça, como um dos “200 líderes globais do futuro”?

Nasci em uma casa na Ladeira do Ipiranga, um bairro pobre da capital baiana, pelas mãos de uma parteira muito amiga da família. Adorava brincar em carrinhos de rolimã e jogar futebol – tinha uma bola de meia que sempre me assegurava um lugar na ponta direita de um dos times. Gostava também de empinar “arraia”, como as pipas são conhecidas na Bahia. Era um garoto normal!

Perdi a inocência aos 9 anos. Deixei de ser empinador de pipas e me transformei em fabricante e vendedor delas. Foi meu primeiro “negócio”: comprei folhas de papel celofane e varetas de bambu e comecei a fabricar pipas coloridas. As que conhecia eram de uma cor só. Para diferenciar meu produto, comecei a produzi-las em quatro cores. O primeiro dinheiro que ganhei na vida foi vendendo essas pipas coloridas.

Desde cedo aprendi que empreender é viajar em uma estrada desconhecida. É construir a própria estrada. Além de ter ficado claro como a força da inovação e a atitude de ousar fazer as coisas diferentes são determinantes para o sucesso. Logo tive duas outras importantes lições sobre liderança. A primeira, que o ato de liderar não tem como pré-requisito idade, posição social ou posição formal. A segunda, antes de pretender liderar os outros, cada um deve aprender a liderar a si mesmo.

Minha família pensava que eu seria um bom advogado. Mas decidi estudar Administração de Empresas, profissão nova e ainda não regulamentada na época. Decidi, em 1974, fazer o mestrado na Vanderbilt University, em Nashville. Ali conheci várias estrelas do mundo da Administração, dentre elas o saudoso professor Igor Ansoff, mundialmente reconhecido como o criador do conceito de Estratégia Empresarial.

Desde 1982, passei a viajar com enorme frequência para o exterior. Acredito que, durante mais de uma década, tenha voado mais milhas aéreas do que muitos pilotos profissionais. Em 1988, fui morar em Lisboa, como membro do Conselho de Administração da Construtora Bento Pedroso, mas meu alvo eram os Estados Unidos, o passo que faltava para a Odebrecht se projetar de forma mais contundente no mercado internacional. Consegui convencer os acionistas a investir no mercado americano, e, em 1990, iniciamos a execução do primeiro contrato na Flórida. Em seguida, estabeleci-me em Washington, D.C., como Vice-presidente executivo da empresa baiana-americana. Meu escritório ficava no número 1789 da Pennsylvania Avenue, quase defronte do endereço mais conhecido do mundo, o famoso 1600, sede da Casa Branca, na época habitada pelo casal Clinton.

Havia realizado o chamado “sonho americano”. Era um executivo bem-sucedido de uma multinacional que eu ajudara a criar. Morava em uma bela casa em Washington. Tinha filhos saudáveis, o Thomas e Julia. Fazia palestras em várias universidades, inclusive na prestigiosa Wharton School, onde conduzia um módulo no Advanced Management Program. O que mais poderia querer? Sempre acreditei que o líder não pode jamais se acomodar e ficar saboreando as vitórias do passado. Comecei a me preparar para carimbar o meu “Passaporte para o Futuro”.

Estava claro que tinha chegado a hora de começar um novo ato na minha vida. Inspirado no grande dramaturgo inglês William Shakespeare, sempre acreditei que podemos ter tantos scripts na vida quanto estivermos dispostos a viver. E recomecei de forma auspiciosa.

Apaixonei-me duplamente. Por uma mulher, Cris, que me deu uma nova filha, a Yasmim, e por uma causa: a formação de líderes empreendedores. Foi uma ruptura e tanto. Porém, tornei-me uma pessoa mais feliz. Essa mudança produziu resultados incríveis, inclusive transformações físicas. Rejuvenesci. Ou melhor, renasci. Aprendi a valorizar mais o equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal, comunitária, afetiva, espiritual.

Há 20 anos presido a Empreenda, uma empresa de consultoria que tem como propósito “Garantir o Amanhã dos Nossos Clientes”. Recentemente, fizemos uma análise retrospectiva e constatamos que nos últimos 3 anos temos tido como clientes 42 empresas da lista das maiores do Brasil. Temos ajudado inúmeras empresas familiares a se profissionalizar e crescer, além de ter investido em mais de uma dezena de startups e feito a mentoria de dezenas de Líderes e Gestores.

Escolhi como símbolo da minha trajetória a pipa, que, além de produzir uma bela metáfora – a importância de saber aproveitar a força das circunstâncias -, possibilita voltar às minhas origens e à lúdica lembrança do meu primeiro “empreendimento”.